Nassim Taleb no seu livro “Black Swan – O impacto do altamente improvável”, lançado em 2007 define um cisne negro como um evento altamente improvável cuja ocorrência leva a que a natureza humana de uma forma geral tente encontrar explicações simplistas, ou que procure demonstrar que era mais ou menos previsível que acontecesse.

Taleb foi trader e analista de risco e é investigador e professor universitário. A ideia central deste livro é que não devem ser despendidos recursos a tentar prever “cisnes negros”. Este tipo de acontecimentos tem uma probabilidade de ocorrência tão baixa que as empresas devem sim focar-se em desenvolver a sua robustez para absorver os seus impactos bem como em desenvolver as suas capacidades para explorar as oportunidades que surgem associadas.

A pandemia Covid-19 assume todas as características de um “cisne negro”, quer pela forma como o vírus SARS-Cov-2 surgiu em Wuhan no final de 2019, quer pela forma como se alastrou a todo o globo de forma exponencial. As últimas informações apontam para mais de 5,4 milhões de casos confirmados em 188 países, tendo já falecido mais de 340 mil pessoas.

Até pelas informações que nos vão chegando, muitas vezes contraditórias e atualizadas diariamente, conseguimos identificar a falta de conhecimento que ainda detemos nesta altura, bem como a nossa relativa capacidade de prever cenários futuros.

O facto de ser extremamente contagioso elevou o impacto deste vírus muito para além da saúde e bem-estar das populações. Os seus impactos são reais e provavelmente alterarão muitos dos hábitos das sociedades modernas ao nível das relações em comunidade. O Sars-Cov-2 demonstra também um impacto real nos ecossistemas e nas cadeias de abastecimento globais de forma positiva (benefícios ambientais decorrentes do lockdown das populações, ou alguns negócios cujos modelos digitais permitiram crescer em volume de negócios) e de forma negativa (o impacto no turismo e na restauração é um dos mais visíveis).

A única coisa certa neste momento é que os impactos a médio e longo prazo serão claramente superiores aos que temos vindo a sentir.

No curto prazo o principal impacto nas empresas foi a quebra de cash flows ou de entradas de dinheiro neste caso.

Podemos definir cash flow como uma determinada quantia em dinheiro ou equivalente que entra (cash inflow) ou sai (cash outflow) de um determinado negócio.

cash_flows

Não é por acaso que as medidas imediatamente discutidas neste contexto para auxílio à atividade empresarial estavam relacionadas com a preservação dos cash flows, tentando evitar ou reduzir saídas, em virtude das entradas estarem suspensas, sobretudo a principal que diz respeito às vendas e recebimentos de clientes. Medidas como a suspensão ou a moratória de rendas, impostos e reembolso de créditos tinham como objetivo salvaguardar a tesouraria das empresas, dando-lhes algum fôlego para gerir o imediato.

Uma gestão cuidada deve procurar equilibrar as entradas e saídas de dinheiro da empresa garantindo que não existem quebras de tesouraria que provoquem constrangimento ao seu normal funcionamento. Isto assume particular importância em alturas de crise.

Para que consigam gerir o seu risco, é essencial que as empresas tenham nesta altura um mapa de tesouraria com detalhe semanal ou mesmo diário que lhes permita fazer uma correta gestão das entradas e saídas previstas. Ao efetuar esta gestão importa também olhar para toda a cadeira de valor, salvaguardando os interesses de curto prazo da empresa, ao mesmo tempo que se mantém satisfeitas as necessidades dos clientes.

Desta forma identifico aqui 8 pontos que as empresas deverão considerar para gerir os seus cash flows em alturas complexas. Deverá ser procurado um equilíbrio (nem sempre fácil) entre estes pontos para uma boa gestão destas situações:

  1. Preservar cash – É necessário garantir uma reserva de tesouraria que permite operar com segurança durante algum tempo, incorporando previsões de quebras de cash inflows.;
  2. Manter a cadeia de abastecimento a funcionar – É crucial nesta fase permitir o funcionamento (normal ou condicionado) das operações das empresas, mantendo os parceiros de negócio satisfeitos (clientes, fornecedores) através de uma relação próxima. Neste ponto devem ser mantidos ativos os elos essenciais da cadeia, reduzindo os gastos não prioritários;
  3. Reduzir gastos não essenciais – Alturas excecionais exigem medidas também de exceção. Uma forma de garantir baixos custos variáveis é impor restrições em alguns dos gastos. Por exemplo a redução do número de reuniões presenciais às absolutamente necessárias, a suspensão de viagens de negócios e/ou despesas de representação;
  4. Suspender investimentos e recrutamentos – Em alturas sensíveis como a que vivemos, os projetos de investimento e processos de recrutamento em curso deverão ser suspensos e reavaliados numa altura mais favorável, podendo ser recalendarizados ou ajustados;
  5. Gestão cuidada do inventário – Tendo em conta o risco existente de potenciais quebras de fornecimento, os pressupostos de gestão stocks de matérias primas e mercadorias devem ser revistos, incorporando a nova realidade;
  6. Pagamentos e recebimentos – Esta é uma área sempre sensível nas empresas, mas que assume maior importância em alturas de elevada volatilidade. As empresas devem enveredar esforços extra para garantir que recebem as dívidas de clientes ao mesmo tempo que poderão renegociar alguns prazos com fornecedores, equilibrando as suas necessidades de fundo de maneio;
  7. Converter custos fixos em variáveis – Esta é uma boa altura para subcontratar serviços e tarefas não core no seu modelo de negócio, focando-se na criação de valor;
  8. Garantir financiamento extra – Em função das capacidades de tesouraria de cada empresa, da duração e do impacto de uma crise nas suas operações poderá ser sensato angariar financiamento para a empresa, independentemente da fonte (banca, capital próprio, capital de risco ou outro).

A gestão de cash flows deve fazer parte sempre do dia-a-dia de uma empresa, mas assume particular relevância em situações extremas. Tal como disse Taleb, os “cisnes negros” são tão raros que não faz sentido que as empresas aloquem recursos para a sua previsão. No entanto isto não invalida que não sejam projetados e analisados cenários de impacto na empresa durante e após uma crise, alturas de elevada exigência para as empresas.

“A lógica do cisne negro torna aquilo que não sabemos mais relevante do que aquilo que sabemos.”

Nassim Taleb

 

Fonte: “Covid 19 – Managing cash flow during a period of crisis”, Delloite Development LLC (adaptado)