Como toma as suas decisões? Com base na sua experiência pessoal e no seu instinto? Para muitos líderes essa é a base para a tomada de decisão, pois a ideia predominante é que se funcionou anteriormente, também vai funcionar agora.
Mas não estamos sempre a dizer que o mundo mudou? Que a velocidade da mudança é cada vez maior? Então porque razão as decisões do passado vão continuar a ser acertadas no presente e no futuro?
Cada vez temos mais e melhor informação e a importância da análise de dados na tomada de decisão tem sido um assunto que temos abordado frequentemente aqui no pontoTGA (por exemplo Informação ou achismo? ou O Big Data ao serviço das PMEs.
No entanto, Stefan Thomke e Gary Loveman (1) alertam que todos os dias os líderes tomam decisões sobre produtos, clientes, alocação de recursos, colaboradores, etc, baseadas em pressupostos que nunca foram examinados criticamente e muito menos desafiados. A sua sugestão é que em vez da intuição se utilize o método científico.
Com o método científico vamos além da análise de dados e temos de estar preparados para continuamente desafiar os nossos pressupostos e investigar anomalias, articulando hipóteses e conduzindo experiências rigorosas que gerem evidências conclusivas. E claro, é preciso aceitar que os resultados possam ser diferentes do esperado.
Mas para muitos líderes isto é difícil pois sentem que a sua legitimidade está a ser ameaçada. Em geral assume-se que a posição hierárquica resulta da experiência e do sucesso passado e os líderes tendem a viver num loop de reforço positivo que torna improvável questionarem os fundamentos das suas decisões.
Já o método científico requer humildade intelectual face a problemas difíceis e assenta num processo objetivo e baseado em evidências.
Estes autores consideram particularmente importantes para a prática de gestão estes 5 elementos do método científico:
1. Seja um conhecedor cético
Os líderes com este mindset empregam a razão, exigem evidências e estão abertos a novas ideias. No método científico isto significa procurar confirmação dos factos de forma independente, valorizando mais a especialização que a autoridade e examinando hipóteses alternativas. Acima de tudo, os céticos questionam os pressupostos: “Porque é que acreditamos em…?” ou “Qual é a evidência de que isto é verdadeiro?”.
Os autores apresentam o exemplo da Sony, que em 2011 estava a lutar com elevadas perdas no seu anteriormente bem-sucedido negócio de televisões. O pressuposto instalado era de que precisavam de vender mais unidades, mas quando Kuzuo Hirai ficou como responsável desafiou este pressuposto e decidiu vender menos TVs e aumentar os preços. Para isso pediu ao departamento de engenharia para melhorar a qualidade de imagem, restruturou a unidade de negócio para baixar custos fixos e lançou um novo modo de venda para diferenciar os seus produtos: uma loja dentro da loja. O número de TVs vendidas nos países desenvolvidos caiu cerca de 40% e em 2015 esta unidade reportou o primeiro lucro operacional em 11 anos.
2. Investigue anomalias
As anomalias são algo inesperado que não parece correto, ou que pelo menos é estranho, e salientam-se por não serem coerentes com os resultados esperados.
Uma das anomalias mais famosas em ciência conduziu à descoberta das vacinas por Luis Pasteur. E a ciência está repleta destes exemplos.
Na gestão, os líderes devem investigar as anomalias pois estas podem conduzir a novas e interessantes oportunidades e gerar inovação. As anomalias também podem revelar problemas relevantes que estão prestes a atingir a organização.
3. Formule hipóteses que possam ser testadas
Para que os pressupostos possam realmente ser desafiados, é necessário formular hipóteses que possam ser quantitativamente confirmadas ou refutadas.
Já no século XIX, o cientista e engenheiro Lord Kelvin disse “Quando consegue medir aquilo de que está a falar e expressá-lo em números, sabe algo sobre isso. Mas quando não consegue medir, quando não consegue expressar por números, o seu conhecimento é escasso e insatisfatório.”
Uma experiência que produz evidências que contrariam a hipótese permite-nos reconhecer o erro na nossa dedução, modificar a hipótese e voltar a testar. Este processo iterativo de testar e refinar conduz-nos a hipóteses mais fortes, deixando-nos cada vez mais perto da realidade.
4. Produza evidências fortes
Os pressupostos subjacentes a um novo empreendimento não devem ser baseados apenas em sentimentos, experiência de vida ou palpites. Devem advir de evidências conclusivas. Se estas não existirem, podem ser conseguidas através da experimentação.
Os autores apresentam o exemplo de uma cadeia de hotéis, Harra’s. Em 2009 muitos hotéis de Las Vegas começaram a cobrar uma taxa de resort que substituía a cobrança à la carte de vários serviços como wi-fi, garrafa de água no quarto, acesso ao centro de fitness, etc. A cadeia Harra´s decidiu não o fazer achando que tal poderia ser percebido como um aumento do preço e afastar clientes mais sensíveis ao preço, reduzindo as taxas de ocupação, que são um elemento especialmente crítico em Las Vegas.
Quando começaram a surgir os dados das taxas de ocupação dos hotéis da empresa e dos seus concorrentes verificou-se que não existiam diferenças significativas entre os que aplicavam esta taxa e os que não aplicavam. Assim, o CEO decidiu testar a aplicação da taxa de resort, começando pelo segmento empresarial, menos sensível ao preço, e ao fim de 3 meses verificou que esta não afastava os seus clientes. A experiência continuou progressivamente por outros segmentos até que a empresa reuniu evidências fortes de que os clientes eram bastante menos sensíveis à taxa de resort do que ao preço do quarto. Assim, a cadeia Harra´s generalizou a aplicação desta taxa a todos os seus hotéis, inclusive fora de Las Vegas.
5. Explore causa e efeito
Confiar em pressupostos sobre causa e efeito é muito perigoso na gestão. Nós humanos muitas vezes vimos ligações entre ações e resultados que na realidade não estão relacionados, confundindo correlação com causa, e respondendo a fatores irrelevantes (ruído) na tomada de decisão. A nossa tendência é aceitar prontamente as evidências que confirmam os nossos pressupostos e desafiamos aquelas que vão contra eles.
Os cientistas exploram a casualidade de diferentes formas. Numa experiência convencional alteram uma ou mais variáveis (a presumível causa), mantendo todas as outras constantes, e observam as alterações nos resultados (o efeito). Quando não é possível manter todas as outras variáveis constantes confia-se na aleatoriedade através de grupos de controlo em que as variáveis causais não são alteradas.
Quando não é possível aplicar experiências convencionais, as simulações são frequentemente uma boa alternativa. Para além de procurar evidência de que “A causa B” é importante verificar contrafatores como “B teria ocorrido se não fosse A?”. Isto representa, por exemplo, verificar não só se um cupão de 10% de desconto provoca um aumento nas vendas, mas explorar também se o aumento teria ocorrido sem o cupão.
Colocar questões “E se…” e pensar nos contrafatores é uma forma poderosa de testar pressupostos em diferentes cenários, obtendo assim uma perceção das relações de causa-efeito.
O método científico tem contribuído de forma decisiva para a nossa evolução em áreas tão críticas como a saúde, a alimentação, a energia, os transportes e a comunicação. A pandemia global que experienciamos chamou a nossa atenção para a importância da ciência e da sua metodologia.
É hora de incorporar este método na tomada de decisão empresarial para diminuir erros, encontrar fontes de inovação e oportunidades de crescimento.
Elon Musk já o faz. E você, está preparado para o fazer?
(1) Thomke, Stefan and Loveman, Gary W., “Act like a scientist”, Harvard Business Review, may-june 2022.