Ao longo das últimas décadas temos assistido a uma evolução no conceito de criação de valor económico para o cliente (figura 1), sendo cada vez mais generalizado o foco na experiência em detrimento dos bens ou mesmo do serviço. Bettencourt et al (1) vêm propor-nos um novo passo na criação de valor económico para o cliente: a transformação.

Figura 1: Evolução da criação de valor económico
Figura 1: Evolução da criação de valor económico

Neste novo modelo de negócio é primordial focar no sucesso do cliente, sendo que aquilo que a empresa tem para oferecer (produto, serviço ou mesmo experiência) só interessa na forma como vai ajudar o cliente a alcançar o resultado desejado. Em geral uma empresa tende a procurar distinguir-se pela qualidade dos seus produtos/serviços, pela conveniência ou pela experiência que proporciona, mas o importante é distinguir-se pela forma como consegue que os seus clientes obtenham o que realmente pretendem.

Para isso tem de existir uma cultura orientada para soluções. Os autores defendem que a verdadeira transformação requer soluções completas e desenhadas à medida das necessidades de cada cliente. É assim necessário construir uma rede de parcerias que permita complementar os produtos/serviços da empresa com todas as outras vertentes necessárias para que o cliente atinja a transformação desejada.

Cada transformação é única e por isso temos de perceber o que cada cliente pretende atingir. Técnicas como os “5 porquês”, desenvolvida pela Toyota, são especialmente eficazes para chegar à raiz da questão. A partir daí estamos em condições de determinar os trabalhos a realizar (jobs to be done) para alcançar a transformação, que podemos dividir em 4 categorias:

  • Trabalho funcional: representa um objetivo ou tarefa que o cliente está a tentar alcançar (ex: preparar uma refeição) ou um problema que ele pretende resolver (ex: aliviar uma dor muscular). Pode ser algo específico ou pode implicar uma mudança individual (ex: passar de doente a saudável, endividado a livre de dívidas, etc);
  • Trabalho emocional: está relacionado com sentimentos (ex: sentir-se reconhecido, confiante, empowerment) que uma pessoa pretende ampliar ou diminuir num dado momento ou circunstância futura;
  • Trabalho social: relaciona-se com a forma como um indivíduo pretende ser percebido (ex: atrativo, profissional) ou relacionar-se com outros (ex: com empatia);
  • Trabalho aspiracional: está no nível mais elevado para a motivação das pessoas. Envolve tornar-se naquilo que cada um quer ser (ex: amado, viver a vida ao máximo, segurança financeira, carreira de sucesso). Podem implicar uma vida inteira. São frequentemente mal compreendidas e por isso ficam por abranger pelas empresas.

Num processo de transformação é importante definir o que é o sucesso ao longo do caminho. Os autores dão como exemplo uma teleclínica em que o sucesso na transformação de passar de doente para saudável normalmente implicava que o paciente não se sentisse apressado durante a visita, compreendesse o diagnóstico, tivesse recomendações eficazes para a sua situação pessoal, tivesse indicações claras sobre o que devia fazer para ficar melhor e conseguisse suportar os custos do tratamento recomendado.

Também é importante identificar as barreiras, que geralmente são relacionadas com os recursos (ex: oferta disponível, tempo, orçamento), a prontidão do cliente (ex: competências, motivação, clareza) ou o contexto (onde e quando as coisas são feitas). Conversar com os clientes pode ajudar nesta identificação e as empresas devem também consultar os seus especialistas internos que passaram tempo com os clientes e assim percebem o que impede o sucesso, bem como especialistas externos que tenham estudado desafios relacionados.

Depois de compreender os diferentes trabalhos a realizar, definir o que é o sucesso e identificar as barreiras que têm de ser ultrapassadas, a empresa está em condições de desenhar a sua oferta. Mas atenção: “Transformações não são produzidas numa fábrica ou colocadas numa prateleira da loja; são alcançadas em parceria com a pessoa a ser transformada”(1)

No desenho da oferta de transformação a empresa pode utilizar uma ou várias destas 5 abordagens:

  1. Envolva cada cliente como um parceiro essencial: a empresa tem de determinar que expetativas, know-how e motivação necessita cada cliente na sua jornada individual. É preciso ter em mente que é o cliente que se transforma a ele próprio, a empresa apenas pode criar as condições ótimas para que isso aconteça;
  2. Integre soluções: uma transformação envolve fatores que atravessam diferentes áreas pelo que as empresas devem integrar os produtos, os serviços e as experiências necessárias para que o cliente atinja o sucesso. Mas uma empresa não tem de fazer tudo isto sozinha, pode estabelecer parcerias com outros;
  3. Proporcione um apoio personalizado: a transformação é uma experiência individual, pelo que o sucesso muitas vezes depende de apoio e orientação de acordo com a situação única de cada pessoa, as suas preferências, motivação e competências;
  4. Apoie as 4 categorias de trabalhos a realizar: os autores dão o exemplo de uma instituição, RSI, que ajuda jovens desfavorecidos a alcançarem as suas aspirações profissionais. A nível funcional a RSI tem uma parceria com uma entidade focada em competências de aprendizagem que ajuda os jovens a melhorarem as suas notas. A nível emocional a RSI identificou a falta de confiança como a principal barreira para o sucesso, por isso para além de lhes proporcionar recursos críticos a RSI acompanha-os garantido que eles fazem o trabalho. A nível social a RSI entende que o sucesso destes jovens depende de terem vários adultos na sua vida para os apoiarem e por isso assegura que cada um destes jovens tem pelo menos um mentor que o acompanha, preferencialmente da área profissional a que aspira. A nível aspiracional a RSI ajuda os jovens a criar um plano, a fazer boas escolhas, a aceder aos recursos certos e a manterem-se focados para que possam atingir as suas ambições profissionais;
  5. Cobre pelos resultados: um negócio transformacional vai além da cobrança por bens físicos (produtos), atividades (serviços), eventos memoráveis (experiências) com que constrói a sua oferta. Alinhe o seu fee com o que os clientes valorizam: os resultados transformacionais.

Os modelos de negócio de transformação são complexos e requerem uma atenção constante, mas serão muito mais difíceis de imitar do que aqueles que oferecem apenas bens, serviços ou experiências, conferindo vantagens competitivas significativas às empresas que os desenvolvam. Estes negócios prometem um bom retorno, não só económico, mas também o de sabermos que realmente fizemos uma diferença significativa na vida do nosso cliente.

 

(1) Bettencourt, L.A., Pine II, B.J., Gilmore, J.H., Norton, D.W., “The new you business”, Harvard Business Review, January-February 2022