Segundo o estudo realizado em maio de 2022 pela Crédito y Caución e pela Iberinform, a falta de dinheiro em caixa é atualmente o principal motivo pelo qual 74% das empresas atrasa o seu pagamento a fornecedores. Esta situação obriga muitas empresas a recorrer a financiamento bancário, incorrendo frequentemente em encargos financeiros elevados, que em última instância podem pôr em causa a sustentabilidade da empresa.

Para garantir o equilíbrio financeiro da sua empresa é importante conhecer o seu ciclo de tesouraria (CT). O CT é uma métrica financeira, que mede o tempo que o dinheiro está fora da empresa, correspondendo ao tempo desde pagamento a fornecedores até o recebimento advindo das vendas (figura 1).

Ciclo de Tesouraria
Figura 1: Ciclo de Tesouraria. Fonte: Adaptado de Jose et al. (1996)

Existem múltiplos trade-offs associados ao CT que devem de ser analisados pelo gestor, de modo a aumentar a rendibilidade da empresa, e simultaneamente, garantir liquidez, isto é, assegurar a capacidade da empresa responder às suas obrigações de curto prazo.

Vamos ver como calcular cada uma destas variáveis que fazem parte do CT e que representam os clientes, inventários e fornecedores da empresa.

 

Prazo médio de recebimento (PMR)

O PMR representa a política de crédito da empresa e corresponde ao número médio de dias que os clientes demoram a pagar à empresa. Pode ser calculado da seguinte forma:

Por exemplo, numa empresa do cujo saldo de Clientes seja de 200.000€ e possua um saldo de Vendas e Serviços Prestados de 600.000€, o PMR é 122 dias, ou seja, a empresa demora em média 122 dias a receber dos seus clientes.

A questão que se impõem é saber se 122 dias é um valor elevado ou baixo. A resposta é: depende, e depende essencialmente do setor em que a empresa está inserida.

Através do Banco de Portugal é possível saber qual é o PMR médio do setor. Por exemplo, no setor de moldes o PMR médio em 2020 foi de 114 dias, já na Indústria de lacticínios o PMR apresentou uma duração média de 51 dias, por sua vez o setor de Extração de sal apresentou um PMR médio de 461 dias. Como pode constatar, dependendo do setor da empresa a interpretação que se faz dos 122 dias é totalmente diferente.

Esta análise do setor deve de ser complementada com a estratégia da empresa, já que existem múltiplos trade-offs de custo-benefício associados à extensão ou redução do PMR (figura 2).

Segundo o relatório da Crédito y Caución 80% das empresas aceita prazos de recebimento superiores aos acordados de modo a manter a relação comercial com os clientes. De modo similar, a Informa D&B indica que em abril de 2022 apenas 18,2% das empresas pagou dentro dos prazos acordados e 6,6% demora 90 dias ou mais acima do prazo acordado.

Trade-offs associados ao PMR
Figura 2: Trade-offs associados ao PMR

Segundo o relatório da Crédito y Caución, 13% das empresas portuguesas afirma estar em risco de encerrar a sua atividade devido ao incumprimento dos seus clientes, enquanto 42% afirma suportar custos de financiamento devido ao atraso de pagamento dos clientes. Já 36% refere que termina relações com clientes que atrasem os seus pagamentos.

Neste sentido, de um modo geral, é benéfico que este rácio possua um valor relativamente baixo permitindo à empresa recuperar rapidamente o dinheiro das suas vendas e evitar custos com contas incobráveis. Já aqui abordamos algumas soluções que irão permitir reduzir este rácio evitando o risco de incumprimento dos seus clientes.

 

Prazo médio de rotação de inventários (PMRI)

O PMRI reflete a gestão de inventários [1] da empresa e traduz o número médio de dias de permanência dos inventários em armazém. O PMRI pode ser calculado pela seguinte fórmula:

Suponhamos que uma empresa possui em Inventários um valor de 250.000€ e um Custo das Mercadorias vendidas e das Matérias Consumidas (CMVMC) no valor de 500.000€. Feitos os cálculos o PMRI desta empresa apresenta uma duração de 183 dias, o que significa que em média os inventários permanecem em armazém 183 dias.

Novamente, a interpretação deste valor depende do setor em que a empresa está inserida e da estratégia da empresa. Por exemplo, o aumento de inventários através da compra em Bulk permite obter descontos de quantidade, reduzir custos de fornecimento e proteger contra possíveis flutuações do preço dos inventários. Por contraste, a diminuição de inventários reduz custos de manutenção e liberta fundos para outras áreas da empresa (ver figura 3).

Trade-offs associados ao PMRI

Figura 3: Trade-offs associados ao PMRI 

Prazo médio de pagamento (PMP)

O PMP representa a política de pagamento da empresa e reflete o número médio de dias que demora a pagar aos seus fornecedores. O PMP pode ser calculado do seguinte modo:

Por exemplo, uma empresa cuja rúbrica de Fornecedores, possua um valor de 300.000€, um CMVMC de 500.000€ e os Fornecimentos e Serviços Externos (FSE) tenham um valor de 200.000€ irá possuir um PMP de 156 dias, isto é, a empresa demora em média 156 dias a pagar aos seus fornecedores.

Para análise deste rácio importa entender que tal como nos rácios anteriores existem trade-offs de custo-benefício associados ao PMP presentes na figura 4. Por exemplo, o aumento deste rácio aumenta a flexibilidade da empresa para pagar aos seus fornecedores e permite libertar fundos para outras áreas da empresa.

Trade-offs associados ao PMP
Figura 4: Trade-offs associados ao PMP

Por outro lado, a obtenção de descontos de pronto pagamento é uma fonte de financiamento importante das empresas. Por exemplo, uma empresa que acorde um pagamento a 30 dias de uma fatura de 100€, com um desconto de 2% para o pagamento a 20 dias, está a conceder um desconto que equivale a uma taxa de juro anual de 46%, sendo esta uma taxa anual muito superior à que obteria ao investir em aplicações financeiras.

Ciclo de tesouraria (CT)

Voltando agora ao CT (figura 1), que pode ser dado pela seguinte fórmula:

Nos exemplos apresentados o PMR possuía uma duração de 122 dias, o PMRI de 183 dias e o PMP de 156 dias. Assim, o CT apresenta uma duração de 149 dias, isto é, a empresa espera 149 dias desde o pagamento aos fornecedores até receber em caixa dos seus clientes.

A gestão do CT deve resultar da análise integrada dos trade-offs associados às componentes anteriormente apresentadas e visando assegurar o equilíbrio financeiro da empresa através da seguinte fórmula:

Por um lado a redução do CT permite recuperar mais rapidamente o dinheiro investido em inventários e em clientes, aumentando a frequência de entrada de dinheiro na empresa. Por outro lado, a extensão do CT pode permitir melhorar a rendibilidade através de, por exemplo, promoção de vendas pela prática de PMR mais extensos. Neste sentido, a duração do CT será adequada desde que consiga respeitar a fórmula anteriormente apresentada. Para isso é necessário assegurar liquidez e simultaneamente rendibilidade.

Em suma, a extensão ou redução do CT é sempre, em última instância, um trade-off entre a rendibilidade e o risco causado por problemas de liquidez, sendo o papel da gestão alcançar um equilíbrio entre a liquidez e a rendibilidade que permita maximizar o valor da empresa.

Esta gestão só é possível através da análise crítica dos rácios anteriormente apresentados e através de soluções como, por exemplo, o Factoring, que permite antecipar o recebimento de clientes, o seguro de crédito que permite garantir o recebimento dos clientes e o Confirming, que permite pagar atempadamente aos fornecedores. Ainda que estas soluções ajudem a gerir a tesouraria, estas possuem custos para as empresas, custos estes que podem ser reduzidos através da gestão de tesouraria que irá controlar as entradas e saídas previstas num determinado período.

Como deve ter percebido, não existem soluções perfeitas, apenas trade-offs. No entanto, através de uma gestão de tesouraria adequada é possível chegar a soluções viáveis para o seu negócio.

 

[1] Os inventários incluem matérias-primas, mercadorias, produtos em curso e produtos acabados.

 

Bibliografia:

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Brealey, R. A., Myers, S. C., Allen, F., & Mohanty, P. (2012). Principles of corporate finance. Tata McGraw-Hill Education.

Jose, M. L., Lancaster, C., & Stevens, J. L. (1996). Corporate returns and cash conversion cycles. Journal of Economics and Finance, 20(1), 33–46.

Padachi, K. (2006). Trends in working capital management and its impact on firms’ performance: an analysis of Mauritian small manufacturing firms. International Review of Business Research Papers, 2(2), 45–58

Petersen, M. A., & Rajan, R. G. (1997). Trade credit: Theories and evidence. Review of Financial Studies, 10(3), 661–691.

Meltzer, A. H. (1960). Mercantile credit, monetary policy, and size of firms. The Review of Economics and Statistics, 42(4), 429–437.

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