Com o crescimento de um negócio surge frequentemente a necessidade de decidir se deve avançar ou não para um processo de internacionalização. Se há uns anos atrás estes processos se afiguravam morosos e complexos, com o avanço do comércio global, devidamente suportado na digitalização da economia, os caminhos a seguir tornaram-se mais simples e de acesso mais democratizado.
Este acesso facilitado permite às empresas uma expansão global do seu negócio, mas isto não deve ser feito sem antes efetuar uma correta avaliação estratégica e um planeamento efetivo do seu médio e longo prazo.
Será o seu negócio capaz de sobreviver no mercado global? Será capaz de se adaptar a uma cultura estrangeira? É a altura certa para internacionalizar?
Ao mesmo tempo que a internacionalização do seu negócio permite aproveitar novas oportunidades, traz também alguns riscos e nem sempre esses riscos se traduzem em rendibilidades elevadas. O mercado está cheio de casos de sucesso de grandes empresas globais que efetuaram com sucesso processos de internacionalização, mas existe também um elevado número de empresas que não conseguiram ser bem-sucedidas.
Um estudo da Harvard Business Review comparou 20.000 empresas em 30 países e concluiu que apenas 40% das empresas que internacionalizaram o seu negócio atingem RA’s (Rendibilidade do Ativo) superiores a 3%. Concluiu também que as empresas se deparam com uma RA negativa em 1% nos cinco primeiros anos após o início do processo de internacionalização e que demoraram 10 anos a atingir uma RA de 1%. Nos anos e nas empresas analisadas a opção por permanecer no mercado interno mostrou-se ser mais rentável em comparação com processos de expansão internacional como mostra o gráfico seguinte.
Tendo por base estes números podemos afirmar que a internacionalização representa rendibilidades inferiores face a negócios que ficam no mercado? Não! Existem muitos casos de sucesso que validam a opção por um modelo de negócios global. Estes números validam sim uma construção sustentada do seu plano de negócios e devidamente suportada nos elementos que o tornam diferente da sua concorrência.
Uma empresa que representa um notório caso de sucesso global é a americana Netflix. Esta empresa estabeleceu-se como referência em serviços de streaming nos E.U.A. tendo então avançado para um processo de crescimento internacional. Está agora presente em mais de 190 países com mais de 130 milhões de subscritores, 73 milhões destes fora do seu país de origem. A estratégia global desta empresa é um caso de sucesso que representa um modelo pensado de forma sustentável.
A Netflix não entrou em todos os mercados ao mesmo tempo e definiu 3 fases estratégicas de internacionalização, entre as quais foi acumulando know how e ajustando o seu modelo de negócio.
Na primeira fase a empresa seguiu o modelo mais usual de negócio internacional, com uma expansão para mercados culturalmente e/ou geograficamente próximos. Neste caso o Canadá, em 2010, representou a primeira aposta da empresa pelo facto das diferenças culturais serem menores ou inexistentes e onde existia uma maior probabilidade do modelo de negócio no mercado interno poder ser replicado com um mínimo de ajustamentos.
Com a experiência adquirida na primeira fase e ajustando o seu modelo de negócio a cada mercado, a empresa expandiu-se progressivamente para 50 novos países na segunda fase do seu plano estratégico. Os países selecionados tiveram em conta a minimização das diferenças culturais existentes, obrigando ao menor número de ajustes possível. À medida que a distâncias geográfica e cultural iam aumentando face aos E.U.A., a Netflix ia ampliando o investimento em conteúdos locais que se fossem ajustando à cultura do mercado alvo, sem nunca descurar uma visão global da empresa, que procurou e procura criar conteúdos que se mantenham válidos para mercados que vão além do mercado principal ao qual se destinam. A empresa investiu também fortemente em big data e análise de preferências de consumo por parte dos utilizadores. Com esta análise a Netflix foi percebendo quais os conteúdos mais adequados a cada segmento de consumidor em cada mercado e quais as simetrias existentes entre os vários países, num esforço global consolidado de otimização das operações da empresa.
À medida que a empresa ia escalando o seu negócio, o ritmo de expansão ia aumentando e na terceira fase do seu plano estratégico, com todo o conhecimento acumulado nas duas fases anteriores e com sistemas avançados de gestão de preferências do consumidor, a Netflix focou-se em adicionar novas línguas e em táticas de penetração rápida em cada mercado, através de parcerias locais relevantes com vários agentes (os fornecedores de serviços de comunicação são um exemplo, no U.K. a empresa estabeleceu uma parceria com a Vodafone para incluir um botão “Netflix” nos comandos das boxes daquela empresa).
Face à especificidade e jovialidade do modelo de streaming, a Netflix enfrentou desafios acrescidos em cada mercado onde foi entrando. A legislação nesta matéria é bastante distinta em cada país, o que tornou ainda mais relevante o conhecimento que a empresa tinha e tem de cada mercado onde atua. A capacidade da Netflix em alavancar o conhecimento que adquire diariamente nos mercados onde opera tem sido um fator crítico de sucesso na estratégia da empresa e deixa-nos lições importantes a considerar no momento de internacionalizar o nosso negócio.
O processo de análise e estruturação de um processo de expansão internacional é complexo e deve ser ponderado de forma documentada. Algumas questões que devemos colocar ao pensar num projeto deste género são as seguintes:
- Qual é a nossa posição no mercado interno?
É necessário ter uma base local sólida para escalar um negócio de forma significativa no mercado global. Qual foi o nosso percurso até agora no mercado interno? Está o nosso negócio a seguir o rumo que definimos ou estamos distante do que planeámos? Em função da resposta a esta questão poderá ser necessário repensar o negócio no mercado interno antes de avançar para um processo de expansão internacional.
- Quem são os meus clientes?
Existe um ditado no marketing: “Se todos são seus clientes, então ninguém é seu cliente!”. Cada empresa deve fomentar um conhecimento avançado sobre os seus clientes. Quem são? Que características têm? Quais os seus hábitos de consumo? Onde estão localizados?
- Os fatores que me permitem ser competitivo no mercado interno são válidos noutros mercados?
Face às diferenças existentes entre os vários mercados (sejam elas culturais, técnicas, geográficas, etc.), os fatores críticos de sucesso poderão ser distintos entre eles. Posso ser um líder no mercado interno, mas não ser capaz de replicar o modelo de negócio noutros países.
- Tenho capacidade, recursos e competências para competir internacionalmente?
Um processo de expansão internacional consume muitos recursos da empresa, sejam eles financeiros, humanos, técnicos ou outros. Até o tempo necessário para analisar e perceber um mercado pode ser um fator dissuasor de um processo de expansão internacional. Um bom ponto de partida é perceber quais são os meus principais recursos e capacidades que poderão ser utilizados para suportar o meu negócio internacional. Não existindo internamente esses recursos tenho capacidade para os angariar fora da empresa?
- Tenho um conhecimento profundo dos mercados aos quais me vou dirigir?
A experiência da Netflix demonstrou que é essencial ter um conhecimento político, institucional, regulatório, técnico, cultural e outros dos clientes e dos concorrentes nos meus mercados alvo. Só percebendo de forma clara quais os fatores críticos de sucesso, ou seja, quais os fatores que os clientes desses mercados valorizam é que consigo ajustar a minha oferta às diferenças culturais existentes.
- Existe interesse internacional no meu produto/serviço?
Se já tiver obtido pedidos de informação e manifestações de interesse nos meus produtos ou serviços por parte de clientes internacionais, significa que poderá existir uma oportunidade a explorar que devo aproveitar.
- Já efetuei um estudo de mercado?
Um estudo de mercado competente permitir-me-á responder à maioria das questões atrás mencionadas e servirá de guia para a definição da minha estratégia internacional. Um bom estudo de mercado deverá identificar de forma inequívoca quem é o meu público-alvo, deverá perceber entre outros fatores se o meu produto ou serviço permanece válido no mercado em questão e tem capacidade de competir nesse mercado e quem são os meus concorrentes.
- Tenho uma estratégia internacional?
Um salto no escuro é tudo o que queremos evitar, pelo que não devo entrar num novo mercado sem uma visão clara do que é a minha estratégia internacional, quais são os meus recursos e capacidades críticas para a execução dessa estratégia e construir um sólido plano de negócios.
- As minhas finanças permitem uma internacionalização sustentada?
O crescimento internacional das empresas pode ser um sorvedouro de fundos que comprometerá o seu mercado interno e a sustentabilidade da empresa. O investimento necessário para construir uma marca global é elevado e os retornos não são imediatos o que coloca uma elevada pressão na tesouraria da empresa. O plano estratégico deve incluir um planeamento detalhado das finanças da empresa (Corporate Finance) que permita cometer erros no processo de internacionalização, sem comprometer a situação atual e futura.
- É a altura certa?
Não existe um timing perfeito para uma expansão internacional. Um modelo de negócio global traz exigências e desafios constantes que colocam as empresas e os seus gestores sob pressão acrescida. Ao mesmo tempo, estes novos desafios representam oportunidades importantes para alcançar novos mercados, diversificar o negócio ou aumentar de forma significativa as vendas.
Se acredita que o seu negócio tem potencial para ser bem-sucedido a nível global, está confiante para enfrentar os desafios acrescidos que isso representa e respondeu de forma positiva à maioria das perguntas atrás mencionadas, então saberá qual é a altura certa e as oportunidades surgirão naturalmente.
Estará preparado para as aproveitar?
Fontes:
“Few Companies Actually Succeed at Going Global”, Christian Stadler, Michael Mayer e Julia Haut, Harvard Business Review;
“How Netflix Expanded to 190 Countries in 7 Years”, Louis Brenna, Harvard Business Review;