O futuro da relação trabalhador-empregador já foi tema aqui no pontoTGA há algumas semanas. Nesse artigo evidenciámos alguns cenários a considerar nos próximos (e atuais) tempos para as relações entre as empresas e os seus trabalhadores.

No outro lado do Atlântico, desde Abril deste ano, já mais de 15 milhões de pessoas deixou o seu trabalho. Trata-se de um fenómeno representado por este número record de despedimentos que as empresas americanas estão com dificuldade em conter.

A pandemia incentivou muitos destes trabalhadores a deixar empregos estáveis e confortáveis, por novos desafios ou apenas para procura de mais tempo pessoal.

As empresas que não conseguirem compreender porque é que as pessoas estão a “fugir” e o que é que estas procuram terão muita dificuldade em atrair e reter talento num futuro próximo.

Têm existidos vários estudos e análises que procuram enquadrar o futuro do trabalho. A consultora Mckinsey & Company, efetuou um estudo na Austrália, Canadá, Singapura, Reino Unido e Estados Unidos para melhor compreender o que está a provocar esta fuga de talentos.

O referido estudo da McKinsey identificou que 40% dos trabalhadores consideram mudar de emprego nos próximos 3 a 6 meses. Este valor oscila em função dos setores: no setor da restauração por exemplo o valor sobe para 47%.

Este fenómeno não se circunscreve apenas a estes países e têm já uma abrangência global. A tendência é também de crescimento: 53% das empresas declararam que estão a sentir saídas de trabalhadores em valores acima do normal e 64% das empresas espera que este problema se mantenha ou piore nos próximos seis meses.

Um fator adicional e importante para as empresas é que 36% dos trabalhadores nos países analisados (nos EUA este valor atinge mesmo 40%) está disposto a abandonar o seu trabalho atual, sem ter nenhum outro ainda perspetivado. Este é mesmo um fator distintivo entre o atual momento e outros ciclos de crise e/ou saída de trabalhadores e representa um desafio adicional para as empresas.

Trabalhadores satisfeitos também poderão ser tentados a sair

Do lado das empresas, se 40% dos trabalhadores estão dispostos a sair, isto significa que 60% estão dispostos a ficar? Não! Todas as movimentações no mercado de trabalho podem promover também novas oportunidades para estes trabalhadores. Cada vez mais empresas oferecem opções de trabalho remoto, o que significa que as pessoas não precisam de mudar de residência para trabalhar noutra cidade ou país. Sendo este um dos principais fatores para que as pessoas fiquem no atual trabalho (65% dos inquiridos indicaram que o gosto pelo local atual de residência era o principal fator para não mudarem). Adicionalmente também dentro dos participantes no estudo da Mckinsey, daqueles que mudaram de trabalho, 90% não tiveram que mudar de residência. Isto significa que muitas empresas estão a oferecer soluções de trabalho remoto, retirando relevância ao local de residência dos trabalhadores. Isto pode fazer com que que os “satisfeitos” trabalhadores atuais possam vir a questionar as suas posições atuais, sobretudo se os gestores falharem na transição para um ambiente remoto/híbrido, ou nem sequer oferecerem essa possibilidade.

Empresas têm dificuldade em entender os motivos

O primeiro passo para ajustar o modelo de negócio e oferecer soluções aos seus trabalhadores passa por compreender porque é que estes estão a sair.

No estudo mencionado acima, quando são questionadas quais as razões que levam as pessoas a sair, as respostas diferem entre trabalhadores e empresas:

  • Empresas:
    • Vencimento;
    • Balanço entre vida profissional e pessoal;
    • Baixa saúde física e emocional;
  • Trabalhadores:
    • Valorização pela empresa;
    • Valorização pelo superior;
    • Sentimento de pertença / alinhamento.

Estas respostas evidenciam os fatores mais importantes e demonstram bem que a perceção das empresas é diferente das expectativas dos trabalhadores. Enquanto que estes últimos valorizam mais os fatores relacionais e culturais, os empregadores consideram que as saídas se devem mais a fatores transacionais. Se as empresas falham no diagnóstico, dificilmente conseguirão tomar medidas adequadas.

Vários estudos, inquéritos e análises têm vindo a demonstrar que a pandemia Covid19 provocou uma disrupção nos modelos atuais de trabalho. E esta tendência vai aumentar a sua relevância à medida que cada vez mais empresas oferecem modelos de trabalho remoto ou híbridos. Se dantes as empresas competiam pelos recursos numa determinada área geográfica pelo custo de mudança de residência associado, a competição por recursos humanos é agora mais intensa e ultrapassa as fronteiras do país, o que já é um problema para as empresas portuguesas, sobretudo as que têm recursos qualificados com procura global.

Importa que as empresas pensem este momento de forma ponderada, escutando e envolvendo as suas equipas no processo. As pessoas têm certamente ideias e planos a propor. O estudo da McKinsey supra mencionado conclui que os gestores não estão a ouvir os seus trabalhadores e sugere que estes façam seguintes reflexões:

  • Faço as pessoas sentirem-se valorizadas?
    • Só com pessoas valorizadas, motivadas e motivadoras é que será possível gerir equipas de forma ativa e dinâmica.
  • Tenho as pessoas certas nos lugares certos?
    • Ambientes de trabalho híbridos exigem competências distintas e sistemas diferenciados de gestão, pelo que poderá ser necessário ajustar as equipas.
  • Quão forte era a minha cultura antes da pandemia?
    • A maioria dos gestores vê o regresso ao escritório como uma forma de aumento de eficiência e conexão, o que pode não bastar. As necessidades dos trabalhadores mudaram e a cultura da empresa pode não ter acompanhado. Se antes da pandemia já existiam problemas, estes serão amplificados nesta altura.
  • O meu ambiente de trabalho é transacional?
    • Se a sua única resposta para reter talento é aumento de vencimento, então tem um ambiente transacional. Os melhores elementos terão sempre uma oferta melhor noutro lado, pelo que deve focar a sua atenção nas reais preocupações da sua equipa.
  • Os seus incentivos estão alinhados com as expectativas da equipa?
    • Incentivos que anteriormente poderiam ser válidos podem ter perdido relevância (ex: estacionamento grátis, bilhetes para o teatro, etc.), por oposição a elementos mais focados nos cuidados pessoais e familiares (creches, proximidade, etc.)
  • Trabalhadores querem planos de carreira e oportunidades. Consegue oferecer isso?
    • As pessoas procuram empregos com progressão profissional sólida e as empresas devem ter isso em conta.
  • Estou a construir uma comunidade?
    • O trabalho remoto não é nenhuma panaceia, mas também não o é um regresso em pleno ao escritório. O contacto pessoal continua a ter muita importância na criação de um bom ambiente de trabalho, mas requer ajustamentos tendo em conta que as expectativas e preocupações das pessoas mudaram.

As pessoas estão efetivamente a mudar as suas expetativas e a procurar novos desafios profissionais que respondam a estes desígnios. Este fenómeno vai continuar a aumentar mas pode ao mesmo tempo representar uma oportunidade. Faça uma reflexão estratégica, pare, ouça as suas equipas e ajuste o seu modelo de gestão de acordo, focando-se nos aspetos relacionais do trabalho dos quais as pessoas sentem mais falta. Está a fazê-lo?

porque é que as pessoas se estão a despedir

 

Fontes:

Great Attrition’ or ‘Great Attraction’? The choice is yours – McKinsey & Company

“The real reason everyone is quitting their jobs right now” – Fortune

“As The Pandemic Recedes, Millions Of Workers Are Saying ‘I Quit’” – npr.org

“An employee perspective on working in the near future” – kaspersky blog