“A felicidade não é uma questão de intensidade, mas de equilíbrio, ordem, ritmo e harmonia”

Thomas Merton

 

A felicidade no trabalho é um dos temas mais atuais na gestão, tanto a nível académico (mais de 15 000 estudos publicados) como a nível da prática nas organizações (como podemos ver pelo facto de cada vez mais empresas criarem o cargo de happiness manager e similares).

No entanto, se parece haver consenso de que a felicidade é importante e cada vez é mais considerada e promovida no contexto de trabalho, há ainda pouco consenso na compreensão dos seus mecanismos e da relação entre a felicidade no trabalho e a felicidade geral na vida.

Podemos encontrar na literatura (Weziak-Bialowolska et al., 2020) cinco propostas distintas para essa relação. Existe a teoria do todo e das partes que diz que são as várias dimensões da nossa vida, onde se inclui o trabalho, que contribuem para a nossa felicidade, sendo assim a felicidade no trabalho um antecedente da felicidade. Portanto, quanto mais felizes formos no trabalho, mais felizes seremos no geral.

Numa perspetiva contrária, temos a abordagem disposicional, que diz que a relação é contrária, isto é, a nossa felicidade é a causa da nossa disposição nos vários aspetos da nossa vida, incluindo o trabalho. Nesta perspetiva, a felicidade geral seria a causa e a felicidade no trabalho seria uma consequência dessa nossa disposição para sermos felizes (ou a nossa infelicidade no trabalho seria consequência da nossa predisposição para sermos infelizes).

Temos ainda a perspetiva do contágio, que diz que há uma relação de influência recíproca entre a felicidade geral e a felicidade nos aspetos específicos da nossa vida, como o trabalho. Ou seja, umas vezes seria a felicidade no trabalho que influenciaria a nossa felicidade geral, outras vezes seria a felicidade geral a influenciar a nossa felicidade no trabalho.

Para complicar, podemos ainda acrescentar a abordagem compensatória, que nos diz que a infelicidade numa área da nossa vida vai conduzir a um maior investimento noutras áreas para compensar. Ou seja, uma pessoa que seja infeliz na sua vida pessoal poderá apostar mais no trabalho para, alcançando aí felicidade, compensar o “vazio” da sua vida pessoal. Ou uma pessoa que seja infeliz no trabalho investir mais na sua vida familiar para compensar aí a insatisfação com o trabalho.

Finalmente, existe ainda uma perspetiva segmentadora, que propõe que estas várias dimensões não estão relacionadas, são estanques entre si. Ou seja, por mais que aumentasse a minha felicidade no trabalho, isso não iria afetar a minha felicidade geral, e vice-versa.

Mesmo a felicidade no trabalho em si, quando olhada ao pormenor, revela algumas ambiguidades e contas complicadas. Costuma-se identificar duas dimensões da felicidade no trabalho (Ryan & Deci, 2001): a hedónica (obtenção de prazer e evitamento de sofrimento) e a eudaimónica (significado do que fazemos e realização atingida através do trabalho). Outros autores (Allan et al., 2019) acrescentam ainda outras duas dimensões: a cognitiva (se o trabalho é envolvente e desafiante) e a afetiva (se temos boas relações com as pessoas com quem trabalhamos). E também aqui, a forma como estas dimensões contribuem para o todo não é completamente conhecida.

Um estudo recente (Allan et al., 2020), que procurava analisar se o facto de as pessoas terem um trabalho com um significado importante para elas conseguia compensar outros aspetos menos positivos do trabalho, verificou que, pelo contrário, havendo a componente eudaimónica, mas não havendo a componente cognitiva, a frustração com o trabalho era superior a quando nenhuma delas estava presente.

Percebemos então que as contas da felicidade no trabalho e na vida em geral podem não ser tão simples como meras somas. Podem não somar (perspetiva segmentadora) ou ser subtrações (abordagem compensatória) e, mesmo quando somam, podemos não saber bem qual é a parcela e qual é o total (teoria do todo e da parte, abordagem disposicional e perspetiva do contágio). E a própria parcela da felicidade no trabalho pode não ser tão linear como pensamos (mais de uma componente aumenta a frustração com o desequilíbrio das outras).

Para os happiness managers profissionais, mas também para os alquimistas da felicidade amadores, recordo o alerta de Thomas Merton: mais do que procurar a quantidade ou intensidade das componentes, o segredo está no equilíbrio, na ordem, no ritmo e na harmonia.

felicidade no trabalho

 

Referências bibliográficas:

Allan, B. A., Owens, R. L., Sterling, H. M., England, J. W., & Duffy, R. D. (2019). Conceptualizing Well-Being in Vocational Psychology: A Model of Fulfilling Work. COUNSELING PSYCHOLOGIST, 47(2), 266–290. https://doi.org/10.1177/0011000019861527

Allan, B. A., Rolniak, J. R., & Bouchard, L. (2020). Underemployment and Well-Being: Exploring the Dark Side of Meaningful Work. JOURNAL OF CAREER DEVELOPMENT, 47(1, SI), 111–125. https://doi.org/10.1177/0894845318819861

Ryan, R. M., & Deci, E. L. (2001). On Happiness and Human Potentials: A Review of Research on Hedonic and Eudaimonic Well-Being. Annu. Rev. Psychol, 52, 141–166.

Weziak-Bialowolska, D., Bialowolski, P., Sacco, P. L., VanderWeele, T. J., & McNeely, E. (2020). Well-Being in Life and Well-Being at Work: Which Comes First? Evidence From a Longitudinal Study. Frontiers in Public Health, 8(April), 1–12. https://doi.org/10.3389/fpubh.2020.00103