O mundo do trabalho está a mudar. Por um lado, temos a automação e a digitalização que alteram os processos, as funções e as competências necessárias. De acordo com o World Economic Forum (The Futur of Jobs Report 2020), em 2025 o tempo médio estimado no trabalho por pessoas e máquinas atingirá a paridade (baseado nas tarefas atuais). Tarefas relacionadas com informação, processamento e recuperação de dados, tarefas administrativas e muito do trabalho tradicionalmente manual são cada vez mais feitas por algoritmos e máquinas.
Por outro lado, temos cada vez mais a tendência de adoção do teletrabalho ou de modelos híbridos, com a intensificação dos chamados nómadas digitais. À medida que avança a digitalização dos processos e as plataformas de comunicação digital evoluem, os modelos de trabalho remoto ganham mais peso e até o turismo está a apostar nesta área com programas dedicados para estas pessoas (ex: Digital Nomad Madeira e o Turismo Centro de Portugal).
Embora em muitas empresas o teletrabalho tenha sido uma consequência da Covid-19, esta apenas veio acelerar a sua adoção e em muitos casos o trabalho remoto irá manter-se após o levantamento das restrições. De acordo com o Estudo Lar Doce Escritório (que incluiu 124 empresas portuguesas), apenas 8% das empresas inquiridas não irão manter alguma forma de trabalho remoto (ver figura 1).

De acordo com o mesmo estudo, 74% dos inquiridos gostaria de manter um modelo híbrido, conjugando assim as vantagens do teletrabalho (redução de custos, eficiência, produtividade, conciliação trabalho-família), com as dimensões sociais do modelo presencial, fundamentais para assegurar o acompanhamento dos colaboradores, potenciar a criação de laços emocionais entre equipas e com a empresa e promover a inovação.
O estudo concluiu também que é na faixa etária dos 31 aos 35 anos (que coincide tipicamente com a fase de constituição de família em Portugal), que há mais pessoas a preferir a opção 100% trabalho remoto, embora esta opção atraia apenas 22% dos inquiridos. As preferências de cada pessoa pela forma de organização do trabalho dependem de diversos fatores relacionados com a sua vida social e familiar, com as suas competências e com a sua maturidade, por exemplo.
Lynda Graton, num artigo publicado este mês na Harvard Business Review (1), salienta que um dos fatores a ter em conta na adoção de formas de trabalho mais flexíveis é precisamente as preferências do colaborador. Esta autora alerta também que é importante não só ter em conta as preferências individuais como também habilitar os outros para que compreendam e acomodem essas preferências.
Para além das preferências do colaborador, esta autora recomenda que a gestão tenha em conta outras 3 perspetivas: funções e tarefas; projetos e fluxos de trabalho; e inclusão e equidade.
A perspetiva das funções e tarefas é primordial na escolha do grau de flexibilidade a adotar. Aqui é importante considerar 2 dimensões: o local e o horário (ver figura 2). Para compreender em que quadrante se poderá situar cada função é preciso começar por perceber como é que os fatores chave de produtividade – energia, foco, coordenação e cooperação – serão afetados pela nova forma de organização do trabalho.

Gratton ilustra este ponto com os seguintes exemplos que ajudam a clarificar os critérios para cada opção:
Planeamento Estratégico – Nesta função o fator chave de produtividade é foco. O planeamento estratégico requer ao longo do dia largos períodos de tempo de trabalho sem interrupções, pelo que poderá ser feito em qualquer horário e também em qualquer local;
Gestor de equipa – Aqui o fator chave de produtividade é coordenação. Há uma necessidade frequente de transmitir e receber feedback no momento aos/dos membros da equipa. Assim é importante que o horário seja comum. No entanto, o local já é menos importante, podendo a comunicação ser efetuada através de plataformas como o Zoom ou o Microsoft Teams;
Inovação do produto – Nesta função o fator chave de produtividade é cooperação. A inovação é estimulada pelo contacto presencial entre as pessoas, que vai gerando ideias das formas mais diversas. A cooperação é mais eficaz quando todos estão no mesmo espaço podendo conhecer-se melhor e socializar, ou seja, na forma de organização tradicional;
Numa grande parte das funções o fator chave de produtividade é energia. Nestes casos quer o horário, quer o local podem ser importantes. Enquanto que algumas pessoas consideram que trabalhar em casa lhes dá mais energia pelo tempo que ganham ao evitar deslocações, outras sentem o contrário pelo isolamento a que pode conduzir. Opções como escritórios satélite ou hubs mais próximos das zonas habitacionais ou acordos com espaços de coworking podem ajudar a balancear estes fatores. Mais uma vez, as preferências do colaborador são aqui um importante fator a ter em conta.
Para que a transição para um modelo de trabalho híbrido tenha sucesso é muito importante ter em conta como o trabalho é feito, ou seja, a perspetiva Projetos e fluxo de trabalho. Aqui o investimento em ferramentas digitais que proporcionem a adequada coordenação das atividades é determinante.
Esta é também uma oportunidade para as empresas redesenharem os seus fluxos de trabalho. Ao mudarmos para o modelo de trabalho híbrido não devemos simplesmente replicar as práticas anteriores, mas sim definir novas práticas tendo em conta as novas ferramentas e as suas potencialidades, bem como lições aprendidas com a prática que ainda não tenham sido postas em prática. A autora propõe uma análise aos fluxos de trabalho com base em 3 questões:
- Alguma das tarefas das equipas são redundantes? Como resposta a esta questão é frequente a eliminação de reuniões, por exemplo, sendo substituídas por pontos de situação assíncronos.
- Podem algumas tarefas ser automatizadas ou reatribuídas a pessoas fora da equipa? Normalmente sim, pois a digitalização dos processos torna desnecessários alguns dos passos anteriores, nomeadamente validações através de assinaturas, por exemplo.
- Podemos imaginar um novo propósito para o nosso local de trabalho? Aqui muitas vezes a resposta foi transformar os espaços existentes para encorajar a cooperação e a criatividade.
Por fim, mas não menos importante, temos a perspetiva da Inclusão e equidade e aqui destaco a importância de a transição ser feita de forma transversal por toda a empresa e com critérios bem definidos, não deixando as decisões ao critério de cada chefe de departamento, bem como o envolvimento dos colaboradores em todo o processo. Uma boa prática é a constituição de uma equipa para o efeito com elementos de diferentes departamentos e diferentes níveis hierárquicos para abarcar diferentes perspetivas.
A transição para um modelo híbrido não é fácil, mas pode ser altamente compensadora com ganhos bastante consideráveis a nível da motivação e da produtividade dos colaboradores se for bem conduzida. Não queira fazer depressa, faça bem e de forma estruturada.
(1) Lynda Gratton, “How to do hybrid right”, Harvard Business Review, May-June 2021