A situação atual que vivemos é de elevada exigência para os cidadãos e para as empresas e as autoridades portuguesas têm vindo reagir publicitando algumas medidas de apoio.

O Estado de Emergência entretanto implementado e a situação de isolamento social vivida tem um impacto tremendo na economia. A face mais visível são desde logo os negócios que estão ligados ao turismo e à restauração cujo encerramento foi determinado. Mas, “por trás” destes existe uma cadeia de valor que também fica bloqueada (grossistas e armazenistas, distribuidores, prestadores de serviços, etc.). Para além destes setores muitos outros considerados “não essenciais” estarão também encerrados ou com a sua atividade bastante reduzida com efeitos semelhantes nas respetivas cadeias de valor.

A questão essencial aqui está relacionada com a quebra de cash flow (dos fluxos financeiros) das empresas. Sem atividade as empresas não têm capacidade de cumprir as suas responsabilidades perante todos os seus stakeholders (colaboradores, fornecedores, autoridade tributária, segurança social, etc.). Se somarmos a isto a falta de dimensão da esmagadora maioria do tecido empresarial português (90% microempresas), com os problemas que estão associados e em que são dominantes estruturas financeiras pouco sólidas (elevado endividamento), estão criadas as condições para um desastre económico sem precedente. Já analisámos também aqui as diferenças de rendibilidade em função da dimensão das empresas. As empresas de menor dimensão têm também menor capacidade de criação de valor.

Em 2016, o JP Morgan Chase Institute analisou a capacidade de resposta a um evento extraordinário que ditasse a quebra total de cash inflows (entradas de dinheiro). Na realidade dos E.U.A. (este relatório refere-se a pequenos clientes empresariais do JP Morgan Chase) os pequenos negócios têm 27 dias de “caixa e equivalentes” para suportar uma quebra total no seu volume de negócios. Este valor varia em função do setor e da dimensão do negócio.

Fonte: JP Morgan Chase & Co. Institute – Cash is King: Flows, Balances, and Buffer Days (Evidence from 600,000 Small Businesses) Sep2016.

Nota: Cash Buffer Days – Representa o número de dias de saídas de dinheiro (pagamentos) que cada empresa conseguiria suportar utilizando apenas o valor em caixa e equivalentes.

 

Tentando fazer um exercício semelhante para a realidade portuguesa, com um indicador proxy (por aproximação), recorri à central de balanços do Banco de Portugal para identificar as reservas de “Caixa e equivalentes” de empresas de todas as dimensões para apresentar quantos “dias de pagamentos” é que permitiriam. Trata-se de um exercício bastante simples que pretende identificar se as empresas portuguesas têm reservas de tesouraria que lhes permitam absorver o impacto de eventos extremos.

Nota: Fonte: Central de Balanços do Banco de Portugal (dados de 2018)

 

caixa_equivalentes
Nota: A coluna Gastos refere-se a Custo das Mercadorias, Fornecimentos e Serviços externos, gastos com pessoal e outros gastos exceto gastos financeiros e de financiamento – Unidades: Milhares de euros – Fonte: Central de Balanços do Banco de Portugal (dados de 2018)

 

As grandes empresas tinham, em média no final de 2018, cada uma 7,5 milhões de euros em caixa, o que representava 20 dias de pagamento das suas responsabilidades. As médias empresas apresentavam 1,2 milhões de euros em caixa em média, que permitem fazer face a 35 dias de pagamentos. Já as pequenas empresas apresentavam em média 241 mil euros o que representava 48 dias de pagamento das suas responsabilidades. As microempresas, que representam cerca de 90% do tecido empresarial português apresentavam nos seus balanços 44 mil euros, em média, no final de 2018 o que representava 95 dias de caixa em dias de outflows.

Analisando apenas estes indicadores, as empresas de maior dimensão estarão mais expostas a quebras abruptas nos seus cash flows. Ao mesmo tempo estas empresas têm uma maior capacidade de gestão, com melhores práticas apresentadas e acesso a um maior número de instrumentos financeiros que lhes permitem gerir a situação atual. À medida que a dimensão da empresa diminui os valores em caixa e equivalentes, em proporção do volume de gastos considerado sobe. De forma agregada e pegando em todas as empresas, independentemente da sua dimensão, existiam em média 106 mil euros de caixa no final de 2018, o que representava 41 dias de pagamentos (um mês e onze dias).

A quebra de cash flow nas empresas terá um efeito mais ou menos imediato, dependendo da sua dimensão, organização interna e capacidade de endividamento.

Têm vindo a ser comunicadas algumas medidas que pretendem minimizar o impacto da quebra no volume de negócios nas empresas. A maioria destas medidas têm como objetivo aliviar a tesouraria das empresas no imediato, podendo também garantir algum fundo de maneio para gestão do impacto deste surto.

A Resolução do Conselho de Ministros n.º 10-A/2020, de 13 de março de 2020 enquadrou algumas destas medidas, que têm vindo a ser atualizadas com alguma frequência.

 

Medidas destinadas às empresas

Portugal 2020

  • Agilização da liquidação de pedidos de pagamento nos projetos que estão em execução e podendo alguns ser efetuados a título de adiantamento transitório (80% do incentivo) com regularização posterior. Este processo foi implementado de imediato e não exige ação por parte das empresas;
  • Diferimento por 12 meses das prestações vincendas até setembro de 2020 relativas ao cumprimento de planos de reembolso sem encargos, para empresas com quebras no volume de negócios ou encomendas superiores a 20%;
  • Elegibilidade das despesas incorridas por parte das empresas em ações canceladas ou adiadas por razões imputáveis ao surto de Covid19 e previstas em projetos de internacionalização;
  • O impacto do surto de Covid19 é considerado motivo de força maior, não imputável aos promotores caso prejudique o cumprimento de ações ou metas previstas nos projetos de investimento na avaliação dos objetivos contratualizados;
  • Prolongamento dos prazos para apresentação de projetos a diversos avisos que estão atualmente abertos;

Financiamento

  • Lançamento da linha de crédito de âmbito geral (todos os setores) Capitalizar-Covid19, com dotação de 200 milhões de euros para “Fundo de Maneio” e “Plafond Tesouraria”, com utilização até 4 anos, prazos de carência em função da finalidade e spreads entre 1,928% e 3,278%. Estas linhas deverão ser contratadas juntos dos bancos;
  • Linha de crédito para microempresas do setor do turismo com dotação de 60 milhões de euros e operacionalizada pelo Turismo de Portugal para apoio à tesouraria. O apoio financeiro consiste no valor de €750 mensais por posto de trabalho, durante três meses, até um máximo de 20 mil euros;
  • Linhas de crédito setoriais no valor de 3 mil milhões de euros:
    • Restauração e Similares: com dotação de 600 Milhões de Euros, 1 ano de carência e prazo de operações de 4 anos;
    • Turismo – Agências de Viagens; Animação; Organização de Eventos e Similares: dotação de 200 Milhões de Euros, 1 ano de carência e prazo de operações de 4 anos;
    • Turismo – Empreendimentos e Alojamentos: 900 Milhões de Euros, também com 1 ano de carência e prazo de operações de 4 anos;
    • Indústria – Têxtil, Vestuário, Calçado, indústrias extrativas (rochas ornamentais) e da fileira da madeira e cortiça: 1300 Milhões de Euros, 1 ano de carência e prazo de operações de 4 anos.

Fiscalidade

  • Prorrogação dos prazos relativamente ao IRC:
    • Adiamento do Pagamento Especial por Conta de 31 de março para 30 de junho;
    • Prorrogação da entrega do modelo 22 para 31 de julho;
    • Prorrogação do primeiro pagamento por conta e o pagamento adicional por conta de 31 de julho para 31 de agosto.
  • Flexibilização do pagamento de impostos (calendário fiscal segundo trimestre e referente a IVA e retenções na fonte de IRS e IRC). Na data de vencimento da obrigação esta pode ser paga:
    • De imediato, nos termos habituais;
    • Três prestações mensais sem juros;
    • Seis prestações mensais com juros de mora nas últimas três.

Contribuições para a Segurança Social

  • Suspensa a data de pagamento da TSU de 20 de março;
  • Nos meses de março, abril e maio, redução das contribuições sociais em 2/3. O restante será pago em prestações de 3 ou 6 meses no segundo semestre.

Outras medidas

  • Apoio extraordinário à manutenção dos contratos de trabalho para empresas em situação de crise, no valor de 2/3 da remuneração. A Segurança Social reembolsará 70% desse valor e o restante será suportado pela empresa;
  • Plano extraordinário de formação (IEFP) a tempo parcial com apoio até 635 euros por trabalhador para empresas que não recorram ao apoio extraordinário mencionado no ponto anterior.
  • Incentivo financeiro extraordinário para apoio à normalização da atividade da empresa para empresas que evidenciem situação de crise. Este apoio consiste num Remuneração Mensal Mínima Garantida (635 euros) por trabalhador, pagos apenas uma vez

Setor Bancário

  • O Banco de Portugal está a ultimar com as entidades bancárias os formatos para recalendarização dos empréstimos bancários com extensão de maturidades;
  • Foram eliminadas as taxas mínimas cobradas aos comerciantes nos pagamentos por POS pela maioria dos bancos, o que possibilita que estes aceitem pagamentos sem valor mínimo;
  • Aumentado o limite máximo das operações contactless passou a ser €30.

 

Existem assim alguns instrumentos a que as empresas podem recorrer para garantir fundo de maneio e folga de tesouraria que lhes permita continuar a desenvolver o seu negócio. É necessário analisar com atenção cada uma destas medidas e outras que poderão vir a ser apresentadas e perceber a sua aplicabilidade na realidade de cada empresa. A questão do financiamento bancário merece alguma atenção uma vez que poderá não ser acessível a empresas que estejam já com elevado endividamento.

Uma gestão cuidada deste período excecional permitirá às empresas sustentar os seus negócios e garantir o seu futuro, voltando progressivamente à sua atividade normal.

 

Fontes:

https://covid19estamoson.gov.pt/medidas-excecionais/

https://www.iapmei.pt/Paginas/COVID-19-Medidas-de-Apoio-as-Empresas-Medidas.aspx

https://www.spgm.pt/pt/catalogo/linha-de-credito-covid-19/

http://business.turismodeportugal.pt/pt/Investir/Financiamento/Programas_incentivos/Paginas/linha-apoio-tesouraria-microempresas-turismo-covid-19.aspx

Nota Final: Este artigo foi efetuado tendo por base a informação pública disponível à data da sua publicação. Toda a informação apresentada deverá ser validada tendo em conta novas leis, regulamentações, comunicados e esclarecimentos por parte das entidades oficiais.