O contexto politico-legal é essencial para o desenvolvimento dos negócios, influenciando de forma direta a capacidade das empresas executarem a sua estratégia.

Não é por acaso que a estabilidade político-legal é desde há muitos anos um dos pontos cruciais a focar quando se efetua uma análise à envolvente externa de uma empresa.

Uma das faces visíveis do impacto que as decisões políticas têm no dia-a-dia das empresas é o Orçamento de Estado. A versão para 2021 deste documento traz desafios acrescidos no atual contexto de pandemia. Em Portugal e à semelhança do que acontece em toda a Europa estão a ser apresentados os Orçamentos de Estado que incluem medidas de estímulo à retoma económica.

Depois de aprovada em Conselho de Ministros foi apresentada na passada segunda-feira a proposta de Orçamento de Estado para 2021. Trata-se de um documento que não está ainda na sua versão final, pois será ainda sujeito a negociação com os partidos que apoiam o Governo em funções.

Qual o impacto do Orçamento de Estado 2021 nas empresas?

Existem algumas propostas com impacto significativo na vida das empresas, nomeadamente no que diz respeito à gestão do IRS e das contribuições para a Segurança Social, ao nível do IRC, dos impostos indiretos, do património, entre outros. Das várias medidas propostas destacamos as seguintes:

Incentivo à manutenção dos postos de trabalho nas Grandes Empresas – As Grandes Empresas que obtiveram apoios, ao nível das linhas de crédito com garantia do Estado e dos incentivos fiscais ao investimento (RFAI, SIFIDE II e CFEI II) estão impossibilitadas de despedir trabalhadores. Esta proibição é aplicável à figura de despedimento coletivo, por extinção do posto de trabalho ou por inadaptação. Em resumo, são obrigadas a manter o número médio de trabalhadores em 2021;

Imóvel pessoal para uso profissional – Não serão apuradas mais-valias com a afetação/desafetação de imóvel do património particular do empresário à sua atividade profissional, ao contrário da situação atual. O cálculo de mais-valias só irá ocorrer com a alienação do imóvel a terceiros. Existe também impacto no apuramento do rendimento no ano em que ocorre e nos três anos seguintes, com reconhecimento de rendimentos e gastos associados à atividade;

Preços de transferência – Aplicação das regras de preços de transferência (transação em condições idênticas às de mercado) em operações entre um sujeito passivo e uma entidade em situação de “relações especiais” (n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC);

IVAucher para restaurantes, hotéis e cultura – uma medida de incentivo para apoiar estes setores dentro do turismo que consiste num reembolso do IVA pago. Este reembolso poderá ser utilizado no trimestre seguinte como desconto em compra de produtos e serviços idênticos;

Ginásio dedutível em IRS – À semelhança do que acontece com os setores da restauração, cabeleiro, veterinário e oficinas, passará a ser possível deduzir à coleta 15% do IVA pago despesas com atividades desportivas e de ginásio. Esta é uma medida que tem como objetivo apoiar o setor dos ginásios, onde se fez sentir um grande impacto com a pandemia Covid19;

PME com prejuízos sem agravamento das tributações autónomas – O Código do IRC prevê um agravamento em dez pontos percentuais nas taxas de tributação autónoma para as empresas que apresentem prejuízos. Com esta medida uma PME com lucro em pelo menos 1 dos 3 anos anteriores e com prejuízos em 2020 e 2021, não sofre o agravamento da taxa de tributação autónoma previsto;

Taxa reduzida de IVA para máscaras de proteção gel desinfetante – Passará a aplicar-se a taxa de reduzida de IVA no comércio destes produtos;

Isenção de IVA na aquisição de bens para combater a Covid19 – Foi estendida até 30 de abril de 2021 a isenção de IVA na aquisição de dispositivos médicos e equipamentos utilizados no combate à Covid19 em território nacional;

Empresas com ligações a offshores serão excluídas de apoios públicos – Nos termos de proposta de orçamento: “São excluídas dos apoios públicos criados no âmbito das medidas excecionais e temporárias de resposta à pandemia da doença Covid-19: as entidades com sede ou direção efetiva em países, territórios ou regiões com regime fiscal claramente mais favorável”. Esta exclusão é aplicável aos apoios e incentivos fiscais, bem como às linhas crédito com garantia do Estado (Linhas Covid19) e ao layoff simplificado;

Benefícios fiscais para ações conjuntas de promoção externa – Majoração de 10 pontos percentuais sobre os gastos incorridos em 2021 e 2022 com a participação das PME em projetos conjuntos de ações externas. Estes gastos são dedutíveis para apuramento do lucro tributável em 110% do seu valor;

Valorização do interior – Em linha com o que ocorreu em 2020 está previsto, ao abrigo do Programa de Valorização do Interior, uma dedução à coleta de IRC de 20% dos gastos resultantes da criação de postos de trabalho nas regiões do interior. Esta percentagem incide sobre o excesso face à retribuição mensal mínima garantida e é aplicável até ao limite da coleta do período em questão.

É suficiente?

Para a construção deste Orçamento de Estado o governo incorpora uma previsão de 8,5% queda do PIB em 2020, revendo em alta projeções anteriores e uma recuperação de 5,4% para 2021, sustentada na recuperação do setor do turismo.

Estas projeções vão agora ao encontro das projeções efetuadas por outros organismos como o Conselho de Finanças Públicas que estima uma quebra de 9,3%, o Banco de Portugal que prevê agora uma quebra de 8,1% do PIB e da Comissão Europeia que em Julho estimou uma contração de 9,8% da economia portuguesa.

No que toca à recuperação em 2021, o Banco de Portugal estima um crescimento do PIB em 5,2%, o Conselho das Finanças Públicas no valor de 4,8% e a Comissão Europeia é mais otimista com uma taxa de crescimento de 6%.

Tendo em conta o contexto atual de séria contração da economia, e de forma a estabelecer a base para o cenário de recuperação previsto para 2021, seriam expectáveis algumas medidas de incentivo ao investimento e criação de postos de trabalho, que não existem. Surgem também algumas limitações extra sobre a utilização dos benefícios fiscais e no acesso a apoios do Estado por parte de algumas empresas.

As empresas que procuram incentivos aos seus projetos de investimento para enquadrar a nova realidade do mercado e à criação de postos de trabalho terão de procurar formas de apoio no mercado, o que numa altura em que se está a concluir o quadro de apoio P2020 e a enquadrar o próximo (P2030?) se afigurará difícil.

Em resumo, o orçamento para 2021 não alterará de forma significativa a gestão da maior parte das empresas, mas terá algum impacto em setores específicos (turismo, restauração, hotelaria, ginásios) e algumas limitações no acesso a medidas de apoio a grandes empresas.

No contexto atual é crucial ter um rumo definido com objetivos claros e com ações que permitam alcançar esses objetivos, minimizando o impacto de eventos a alterações da envolvente externa, tal como é o caso do Orçamento de Estado.

E como já analisamos aqui neste blog:

“Devemos replicar nas nossas empresas o que melhor se fez na gestão desta crise: construir cenários para preparar o futuro, recolher e avaliar dados para redefinir objetivos, ajustar a estratégia às novas realidades, desenvolver e implementar planos de ações. Monitorizar e acompanhar a implementação e tomar decisões ajustadas (alterando sempre que necessário os planos e ações).” Gabriel Silva

 

Nota: Esta análise foi efetuada a 13/10/2020 tendo por base a informação pública disponível sobre a proposta de Orçamento de Estado para 2021 e tem como objetivo fornecer uma perspetiva geral de algumas das principais medidas deste documento. A sua leitura não dispensa uma análise mas detalhada sobre a aplicabilidade de cada uma das medidas atrás mencionadas num caso específico.

Fontes:

“Análise À Proposta De Orçamento Do Estado Para 2021” – Ordem dos Contabilistas Certificados;

“Um orçamento entre a incerteza e a recuperação – OE2021 Proposta de Lei” – PwC

“Tudo o que vai mudar na vida das empresas com o OE 2021”, Eco

“Conheça mais de 40 medidas do Orçamento do Estado” – Jornal de Negócios

Slide Apresentação OE2021, Governo de Portugal