Alguma vez lhe apeteceu ficar completamente desligado? Deixar o telemóvel, o tablet, o computador portátil, sem bateria por algumas horas? Ficar em modo offline? Sente que poderá ser prejudicado no trabalho por isso, mesmo se o fizer depois do horário de trabalho? Mas será que não tem o direito de “desligar”?
Num mundo cada vez mais digital estar conectado 24 horas por dia, 7 dias por semana tornou-se uma realidade. Se existe uma barreira entre a vida profissional e a vida pessoal, ela é praticamente impercetível. Mas algo está a mudar.
A França foi o primeiro país a legislar sobre este tema. Em 1 de Janeiro de 2017, o país onde a lei estipula desde 1997, 35 horas semanais de trabalho, percebeu que a diluição entre o tempo da vida profissional e pessoal estava a entrar num caminho perigoso. Em 2010, 25 trabalhadores de uma grande empresa suicidaram-se, alegadamente por stress no emprego.
O uso excessivo de dispositivos digitais tem sido apontado como um fator de risco para a saúde mental dos trabalhadores. Uma das suas principais consequências é o chamado burnout, ou esgotamento profissional, o que em Portugal afeta uma percentagem elevada de trabalhadores. Nos últimos anos, criou-se uma cultura de trabalho do “sempre ligado”, que se traduziu num aumento de horas de trabalho não contabilizadas e muito menos renumeradas. Os empregadores proporcionam aos seus colaboradores smartphones, tablets, computadores portáteis muitas vezes como forma de incentivo, mas que no fundo são presentes envenenados. É inegável que permite aos trabalhadores uma maior flexibilidade para laborar, mas elimina as fronteiras entre o tempo de trabalho e de descanso, o que pode ter impacto na produtividade a longo prazo, porque os colaboradores não têm oportunidade de descansar e recarregar baterias.
Segundo a lei francesa em vigor desde 2017, os trabalhadores têm o “direito de desligar”: desligar do email, das mensagens e chamadas laborais após o horário de trabalho. Mas antes disso, muitas outras empresas como a Volkswagen e a BMW, na Alemanha, acordaram com os seus funcionários a limitação do uso de dispositivos digitais fora do horário de trabalho. O grupo Volkswagen, por exemplo, bloqueou mesmo o acesso aos emails entre as 18h15 e as 7h00 da manhã seguinte e outras organizações pelo mundo estão a seguir-lhes as pisadas.
Em Portugal, o assunto “direito de desligar” já foi ponderado pelo Governo, mas acabaram por desafiar as empresas e trabalhadores a debater o tema nas negociações coletivas e as boas práticas começam a aparecer. A título de exemplo, na Microsoft Portugal, as chefias não têm autorização para agendar reuniões ou enviar emails depois das 18h, apesar de não haver nenhuma regulamentação.
Qual será o impacto do “direito a desligar”?
Há quem defenda que aplicar este modelo é um retrocesso e só irá prejudicar a produtividade. Isto porque há emails que chegam fora de horas que poderão custar milhões ao empregador, uma chamada atrasada que afetará a produção do mês e mais, porque a criatividade não tem horário laboral.
Contudo, há quem defenda exatamente o contrário. Se os trabalhadores não forem capazes de “desligar” do trabalho e recuperar, ficam exaustos e desmotivados, porque estão a consumir tempo livre a trabalhar. Já para não falar dos conflitos familiares que desencadeia, tornando o colaborador infeliz no trabalho.
Segundo uma notícia do Expresso desta semana, “o presentismo chega a custar duas vezes mais que o absentismo”.
E depois não é preciso ser tão radical, podem ser adotadas medidas intermédias. Por exemplo: “dias sem acesso ao email” e o emitente recebe uma resposta automática com o contato da pessoa disponível, utilizar agendas rotativas, ou podemos excecionalmente, atender aquela chamada importante ou responder a um email que pode proporcionar um ganho significativo. Tais medidas permitem não só diminuir a pressão sobre quem responde ao email fora de horas, como diminuir o seu cansaço, dando-lhe a possibilidade de gerir melhor a sua vida pessoal e profissional, bem como garantir às chefias de que é possível as pessoas desligarem sem prejudicar o seu desempenho e todos ganham.
Mas e será que você consegue desligar?
Bom dia.
Permitam-me a correção no 4º paragrafo.
risco para a saúde mental dos trabalhadores
Melhores cumprimentos,
Joel Pedro