Nas últimas décadas, as empresas têm focado a sua atenção no aumento da sua eficiência e assistiu-se ao desenvolvimento de uma miríade de ferramentas nesse sentido, com um grande destaque para metodologias associadas ao LEAN. As empresas desenvolveram estratégias para se aproximarem cada vez mais do just in time em detrimento do just in case. No entanto, em contextos de elevada incerteza e momentos de disrupção como o que vivemos, a importância da resiliência pode sobrepor-se à eficiência e a crise causada pela COVID-19 expôs muitas das falhas nos modelos de atuação das cadeias de abastecimento.
Isto não significa que a eficiência não seja importante e que não devemos continuar a adotar medidas para a sua melhoria. Significa apenas que não chega, é necessário olhar para algo mais.
De acordo com Daniels et al (1), estima-se que ocorrem disrupções significativas na produção a cada 3,7 anos, em média, e estudos recentes do Mckinsey Global Institute concluíram que, em cada década, as empresas podem perder até 45% dos ganhos de um ano devido a disrupções. Algumas empresas estão a demonstrar que cadeias de abastecimento flexíveis e resilientes conseguem gerar valor e crescimento rentável no longo prazo e os CEO ouvidos por estes autores apostam na resiliência das suas empresas para resistir no novo normal.
Mas o que é a resiliência de uma empresa?
Reeves e Whitaker (2) definem resiliência como a capacidade de uma empresa absorver o stress, recuperar funcionalidades críticas e prosperar em circunstâncias alteradas.
Segundo estes autores, o grande desafio é conseguir conceber, medir e gerir a resiliência e muito poucas empresas são capazes de o fazer. Os sistemas de gestão tradicionais estão muito focados na performance financeira o que lhes confere limitações relevantes quando se procura a resiliência:
- A empresas foram desenhadas para predominantemente maximizarem o valor para o acionista através dos dividendos e do valor das ações, sendo a resiliência apenas medida através da apresentação de alguns riscos materiais específicos;
- Frequentemente, empresas e acionistas estão focados em maximizar o lucro no curto-prazo. No entanto, a resiliência pressupõe uma perspetiva a diferentes prazos (multi-timescale): é necessário abdicar de uma dada quantidade de eficiência ou performance no presente para no futuro obter uma performance mais sustentada;
- Cada empresa é vista como uma ilha económica e otimizada individualmente. A resiliência é uma propriedade de sistemas: a resiliência de uma empresa por si tem pouco significado se a sua base de fornecimento, a sua carteira de clientes ou o sistema social em que está inserida forem perturbados.
Em suma, gerir para a resiliência exige um modelo mental do negócio consideravelmente diferente: terá de abranger complexidade, incerteza, interdependência, pensamento sistémico e uma perspetiva multi-timescale.
Então como posso tornar a minha empresa mais resiliente?
Reeves e Whitaker (2) sugerem seis princípios para que as empresas possam estruturar a sua organização e processos de decisão para a resiliência:
- Redundância para amortecer choques inesperados, mesmo que signifique alguma perda de eficiência no curto-prazo. Pode ser conseguida duplicando elementos (por ex. várias fábricas a produzirem o mesmo produto) ou tendo diferentes elementos a alcançarem o mesmo fim (redundância funcional);
- Diversidade de respostas a um novo stress assegura que os sistemas não falham catastroficamente, embora se perca a eficiência obtida pela standardização. Este é um ponto bastante desafiante, pois para além de exigir a contratação de pessoas com experiências diversas e com diferentes perfis cognitivos, requer o desenvolvimento de um ambiente que acolha múltiplas formas de pensamento e de ação;
- Modularidade permite que elementos individuais falhem sem que o sistema global colapse. Durante uma crise, uma organização modular pode ser dividida em pedaços mais pequenos com interfaces bem definidas. Assim é mais fácil de compreender e pode ser novamente ligada mais rapidamente;
- Adaptabilidade é a capacidade de evoluir através de tentativa e erro. Requer um dado nível de variância ou diversidade, obtida através de experimentação natural ou planeada, combinada com mecanismos de seleção para escalar a ideias que funcionam melhor. Os processos e a estrutura nas organizações adaptativas são desenhados mais para a flexibilidade e a aprendizagem do que para a estabilidade e para a variância mínima;
- Prudência envolve trabalhar no princípio preventivo de que se é plausível que uma coisa aconteça, ela vai eventualmente acontecer. É necessário desenvolver planos de contingência e testes de stress para riscos plausíveis com consequências significativas;
- Embeddedness é o alinhamento dos objetivos e atividades da empresa com os do sistema alargado em que está inserida. Este fator é critico para o sucesso a longo prazo pois uma empresa está inserida (embedded) em cadeias de abastecimento, ecossistemas de negócios, economias, sociedades e ecossistemas naturais. A articulação de um propósito (a forma como a empresa pretende responder a necessidades importantes da sociedade em que está inserida) é uma boa forma de assegurar que a empresa não se encontrará em oposição à sociedade incitando à resistência, restrições e sanções.
Para além destas opções estruturais, outra forma de aumentar a resiliência das empresas é a colaboração com outros players. Ecossistemas de negócios, como as plataformas digitais, podem aumentar a sua resiliência coletiva através do acesso a novas capacidades, de uma maior flexibilidade e da redução dos custos fixos ao poderem partilhar ativos. As plataformas partilhadas basicamente criam um seguro “real” contra o inesperado ao partilharem mecanismos de execução, adaptação e inovação.
Daniels et al (1) apontam a digitalização como a chave a longo prazo para a resolução dos trade-off entre eficiência e resiliência. Quando implementada em escala, a digitalização pode ajudar as empresas a aumentarem drasticamente a sua resiliência sem um aumento insustentável e duradouro nos custos e por isso é crucial o investimento nesta área.
Para além da digitalização, estes autores indicam outras quatro áreas em que é importante investir para tornar as empresas mais resilientes:
- Gestão da performance. Introduzir métricas para medir a resiliência e balanceá-las com as métricas típicas de custo e crescimento;
- Governança e processo. Fazer testes de stress à cadeia de abastecimento em que a empresa está inserida como parte do processo de planeamento estratégico anual para avaliar fatores de mudança no mundo e se estes criarão fragilidades na cadeia;
- Construção de novas ferramentas e capacidades. Compreender a dinâmica transversal e interfuncional da cadeia de abastecimento, incluindo as melhores práticas funcionais, e disponibilizar as ferramentas necessárias para um desempenho de acordo com as novas expetativas;
- Entender investidores, direção, clientes e colaboradores. Ajudar cada grupo de stakeholders a compreender como é que a empresa se está a tornar mais resiliente e porque razão isso é importante para eles.
Os autores salientam ainda que o fio que mantém tudo junto são as pessoas.
Quais os benefícios de tornar a minha empresa mais resiliente?
A figura abaixo compara a variação da performance em empresas que usam princípios de resiliência e empresas que não o fazem. Embora na fase de antecipação os benefícios não sejam traduzidos na performance, eles são visíveis na articulação dos planos de resiliência que irá conferir vantagem nas fases seguintes, verificando-se uma queda inferior na fase de impacto e uma recuperação mais rápida, sendo que no final as empresas podem ficar com uma performance acima da que tinha inicialmente, pelo maior ajustamento ao novo ambiente. Cumulativamente, os benefícios colhidos nestas 4 fases pelas empresas resilientes são bastante significativos.
Já é um lugar comum dizer que as crises são oportunidades para a mudança, mas a realidade é que com a Covid-19 as empresas têm agora a oportunidade e a necessidade de revisitar os seus modelos de negócio e construir uma maior resiliência sistémica.
Reeves e Whitaker (2) indicam 6 ações para iniciar este processo:
- Procure vantagem na adversidade. Não procure simplesmente mitigar o risco ou prejuízos ou restabelecer o que era antes. Em vez disso procure criar vantagem ajustando-se eficazmente à nova realidade;
- Olhe para a frente. A curto prazo, uma crise parece ser meramente tática e operacional, mas a mais longo prazo as novas necessidades geradas e a incapacitação dos concorrentes criam oportunidades. A crise pode ser um bom pretexto para acelerar transformações de longo prazo. Um dos papéis chave dos líderes é alargar o horizonte temporal da organização;
- Tenha uma visão colaborativa dos sistemas. A resiliência tem a ver com os relacionamentos entre os componentes do negócio ou entre um negócio e a mudança do seu contexto sob stress. Exige pensamento sistémico e soluções sistémicas, que por sua vez dependem da colaboração entre clientes, colaboradores e outros stakeholders;
- Meça para além da performance. A saúde de um negócio não se mede apenas pelo valor criado, que tende a ser resultado do passado. É importante olhar tanto para os benefícios como para as capacidades;
- Premeie a diversidade. A resiliência depende da capacidade de gerar caminhos alternativos para reagir às situações, que por sua vez depende da capacidade de olhar para às coisas de uma nova forma. Negócios resilientes premeiam a diversidade cognitiva e apreciam o valor da variação e da divergência;
- Tenha a mudança por defeito. Resiliência não é tanto sobre ajustamentos ocasionais em circunstâncias extremas, mas mais sobre a construção de organizações e sistemas de suporte baseados na experimentação e na mudança constante.
Está pronto para a ação?
(1) Brooke Daniels, Susan Lund, Yogesh Malik e Emily Shao, “CEO dialogue: Perspectives on reimagining industrial supply chains”, McKinsey & Company, January 2021;
(2) Martin Reeves e Kevin Whitaker, “A Guide to Building a More Resilient Business”, Harvard Business Review, July 2020.