Nos dias de hoje muitas empresas vivem num contexto de incerteza externa mas também a nível interno. Os escândalos ocorridos nos últimos anos evidenciaram diversos problemas éticos entre administradores de grandes organizações e outros agentes, que conduziram a decisões lesivas para o interesse dos acionistas e demais stakeholders. Na sequência destes eventos, surgiram muitas individualidades a defender a passagem de questões do âmbito da Ética para uma efetiva regulamentação e legislação, destacando-se cada vez mais a importância de um bom Governo das Sociedades.
Um bom Governo das Sociedades permite dar respostas a diversas questões do dia-a-dia das organizações, como os problemas resultantes da administração de empresas familiares, o estabelecimento de princípios para a aplicação de um modelo de gestão de risco e está demonstrado que potencia o aumento do valor e da performance das empresas.
Um estudo recente da Morrow Soladi, uma empresa líder global de consultoria em serviços de apoio a transações em mercados de capitais, indica que a esmagadora maioria (93%) dos Investidores Institucionais, responsáveis pela gestão de 33 biliões de dólares em ativos a nível global, colocam o governo das sociedades no topo das preocupações na avaliação das entidades onde fazem as suas aplicações.
Outros estudos apontam vantagens às empresas que adotam este sistema, demostrando uma relação entre as práticas de bom Governo das Sociedades e a volatilidade das ações das empresas, ou seja, as organizações com melhores práticas apresentam menor risco. Desta forma os investidores, como os fundos de investimento, olham cada vez mais para a avaliação do governo societário nas análises de risco das empresas.
A Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) define o Governo das Sociedades como “o sistema de regras e condutas relativo ao exercício da direção e do controlo das sociedades.” Estas regras surgiram para minimizar conflitos entre acionistas, gestores, credores e outros stakeholders com origem na separação entre o capital e o controlo das organizações.
O conceito de Governo das Sociedades surgiu há mais de 75 anos nos EUA, com o objetivo de introduzir princípios éticos nas relações entre a administração das empresas e os outros órgãos sociais, acionistas e outras partes interessadas. O respeito dos direitos dos acionistas minoritários e a preocupação com a equidade entre os diversos intervenientes estão na base deste conceito.
A evolução do Governo das Sociedades ocorreu em ritmos distintos mesmo nos países mais desenvolvidos. Um dos marcos mais importantes é a publicação do Relatório Cadbury em 1992 que introduziu pela primeira vez na Europa o conceito de Corporate Governance, sistema pelo qual as organizações passaram a ser dirigidas e controladas, ficando o Conselho de Administração responsável pelo exercício desta função. Este documento incorporava um conjunto de recomendações e de boas práticas, focando-se no papel dos administradores não executivos, nos auditores internos e na transparência dos relatórios financeiros. Tornou-se assim uma referência que serviu de modelo para outras iniciativas.
Em 1999 surgiram os Princípios de Governo das Sociedades da OCDE, que foram a primeira iniciativa ao nível das organizações intergovernamentais para uma boa governação societária, tendo como objetivos, entre outros, a consideração dos interesses de um amplo número de agentes e das comunidades onde operam e a promoção da confiança dos investidores, tornando-se uma referência internacional para os decisores políticos, investidores, empresas e outras partes interessadas em todo o mundo.
Após a publicação destes princípios surgiram alguns códigos que se encontram em vigor em vários países europeus como Alemanha, Reino Unido, Espanha ou Portugal. Foi no desenrolar destes planos de ação que a Comunidade Europeia emitiu algumas Recomendações, Regulamentos e Diretivas relacionadas direta ou indiretamente com o Governo Societário.
A regulamentação em matéria de Corporate Governance tem assumido o carácter de recomendações, os códigos são voluntários e não vinculativos, sendo geralmente aplicados às sociedades cotadas em bolsa. É a partir do Governo das Sociedades que as regras e procedimentos sob os quais as empresas se regem são apresentados.
As empresas que apresentam um bom modelo de Governo das Sociedades têm como objetivo a promoção da sua eficiência e competitividade, mas também o reforço dos direitos dos acionistas, a proteção dos trabalhadores, credores e outros intervenientes, traduzindo-se no aumento da sua performance e do seu valor de mercado.
No nosso país têm surgido recomendações para a melhoria do Governo das Sociedades de órgãos como a CMVM e o Instituto Português do Corporate Governance (IPCG).
Apesar de estarem desenhados principalmente para as empresas cotadas nos mercados de capitais, os Códigos de Governo das Sociedades podem ser aplicados a qualquer empresa devido à sua flexibilidade, cabendo à sociedade a criação e desenvolvimento de um regime que se adeqúe às suas especificidades. Estes códigos, como o mais recente Código de Governo das Sociedades do IPCG, surgem como resposta às necessidades de melhor controlo societário e melhoria da informação e transparência.
O código de Governo das Sociedades do Instituto Português de Corporate Governance encontra-se, na versão de 2018, organizado em sete capítulos e desenvolve-se em dois níveis distintos: o dos princípios e o das recomendações. Os princípios têm por objetivo estabelecer uma base para a interpretação e para a aplicação das recomendações.
No Código de Governo das Sociedades, o Capítulo I é referente à parte geral onde são apresentados os princípios e recomendações da relação da sociedade com investidores e divulgação da informação, da diversidade na composição e funcionamento dos órgãos da sociedade, da relação entre órgãos da sociedade, da prevenção dos conflitos de interesse e da transparência e fiscalização das transações com partes relacionadas.
O segundo capítulo deste código refere-se aos princípios com vista ao envolvimento e participação dos acionistas no Governo Societário, nomeadamente na Assembleia Geral, enquanto espaço de comunicação entre os acionistas e comissões societárias e de reflexo sobre a sociedade.
Os princípios e recomendações de composição e atuação dos órgãos com funções de administração não executiva e fiscalização estão refletidos no terceiro capítulo.
No quarto capítulo encontram-se os princípios e recomendações com vista a aumentar a qualidade do desempenho e a eficiência do órgão de administração executivo, assim como a definição dos administradores executivos.
Os princípios e as recomendações referentes à avaliação anual de desempenho da organização, à política de remuneração dos membros de administração e de fiscalização, à remuneração dos administradores e a nomeações estão espelhados no quinto capítulo do código.
A Gestão do Risco ocupa um papel importante no Governo das Sociedades e este código dedica-lhe o capítulo VI apresentando inclusive um sistema de auditoria interna que permite antecipar e minimizar os riscos inerentes à atividade desenvolvida pela empresa.
O último capítulo refere-se aos princípios da informação financeira no que concerne à escolha de políticas e critérios contabilísticos apropriados e sistemas adequados de reporte financeiro, para controlo interno e auditoria interna. Em adição refere-se também à forma como é realizada a articulação entre a auditoria interna e a revisão legal de contas e fiscalização pelo Revisor Oficial de Contas.
Este código, estando destinado a sociedades abertas como as admitidas à negociação na bolsa nacional, pode ser aplicado por todas as empresas. Estabelece uma relação de complementaridade entre o regime jurídico do mercado de capitais e das sociedades comerciais, com o objetivo de introduzir práticas em conformidade com as orientações reconhecidas como de bom governo a nível nacional e internacional.
Concluindo, o Governo das Sociedades é um mecanismo que reforça a transparência das empresas, contribuindo para uma melhoria das relações internas e para o aumento da sua performance.