O sigilo bancário é frequentemente apontado como a principal barreira no combate à fraude fiscal. O aumento desmedido da carga fiscal sobre o rendimento e o património; o agravamento das condições sociais; o aumento do desemprego e a sua precariedade são os principais impulsionadores de crimes organizados, pelo que a fraude fiscal é hoje, uma das principais barreiras ao desenvolvimento económico dos países. Neste sentido, muito se tem discutido e batalhado para colocar fim ao sigilo bancário, mas ainda assim este assunto continua a gerar grandes polémicas.
Em causa temos a extinção de um direito fundamental em prol do combate à fraude fiscal. Um verdadeiro conflito que existe na ponderação entre direitos e interesses dos cidadãos, designadamente, o direito constitucional à reserva da intimidade privada e familiar; o dever fundamental de pagar impostos e ainda o interesse público na segurança e confiança das instituições financeiras.
Os clientes confiam dados da sua vida familiar, situação financeira, patrimonial às instituições bancária e é com base na garantia de segredo que se fomentam as relações entre eles. Contudo, vivemos num Estado Fiscal cujas necessidades financeiras são supridas essencialmente por impostos e cabe à Administração Tributária (AT) o derradeiro papel de controlar e fiscalizar a gestão dessa receita.
Uma vez que o dever da declaração de rendimentos é da responsabilidade do próprio contribuinte é expetável que este desenvolva todas as manobras para “fugir” aos impostos. Assim sendo, a AT necessita de ter acesso a informações sobre a sua vida privada para executar corretamente as suas funções. O histórico da sua conta bancária não é mais do que uma biografia sua em números. É neste sentido e com a Lei n.º 30- G/2000, de 29 de dezembro de 2000, que em Portugal, passamos a falar de derrogação administrativa do sigilo bancário. A Lei veio permitir que nos casos em que haja indícios da prática de crimes em matéria tributária, a AT passa a poder aceder à informação bancária sem consentimento judicial, o que até ao momento não era possível.
Várias foram as alterações feitas depois desta data, prevendo cada vez mais exceções ao dever do segredo. Enumeramos de seguida as mais significativas:
- em 2004, a Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro de 2004 veio permitir à AT aceder a informações bancárias sem necessitar do consentimento do titular;
- em 2014 com a Lei º 82-B/2014, de 31 de dezembro de 2014, passa a ser permitido à AT o acesso a informações bancárias sem depender do consentimento do seu titular, uma vez solicitadas pelo Estado português, no âmbito de acordos ou convenções internacionais em matéria fiscal a que este esteja vinculado.
- em 2016 com o Decreto- Lei n.º 64/2016, de 11 de outubro, foram implementadas novas regras de acesso e troca automática de informações financeiras através de vários regimes de cooperação internacional, nomeadamente com os EUA (FATCA) e a Europa.
- em 2017 com a Lei n.º 92/2017, de 22 de agosto de 2017, passar a ser proibido pagar ou receber em numerário em transações de qualquer natureza que envolvam montantes iguais ou superiores a 3 mil euros, ou o seu equivalente em moeda estrangeira.
Os acordos aprovados com a Lei de 2016 e o normativo aprovado em 2014 definem que o Estado português fica ainda vinculado a fornecer informações relevantes acerca de depósitos, pagamentos e outros movimentos bancários dos contribuintes não residentes às suas respetivas autoridades tributárias.
Aquando da criação deste último quadro normativo já era intenção do Governo alargar estas medidas aos cidadãos residentes reforçando as regras de transparência e troca de informação entre a AT e as instituições bancárias, mas a proposta foi vetada pelo Presidente da República justificada pela instabilidade bancária que se fazia sentir.
Tendo em contas as várias garantias dadas sobre a estabilidade do sistema financeiro português e um ano depois sobre a alienação do Novo Banco, em maio do presente ano o Governo volta a apresentar a medida proposta em 2016 com a ajuda do BE, acautelando as recomendações dadas na altura pela Comissão Nacional de Proteção de Dados. Os diplomas que entretanto foram aprovados no parlamento visam permitir à AT aceder aos saldos de depósitos superiores a 50 mil euros dos cidadãos (titular ou beneficiários) residentes em Portugal. O acesso é limitado ao saldo dos valores depositados e reportado anualmente pelas instituições financeiras. Importa referir que estes diplomas só serão aplicáveis depois de serem publicados em diário da república.
Para além desta medida e de acordo com o Plano Estratégico de Combate à Fraude e Evasão Fiscal e Aduaneira de 2018 a 2020, está também em cima da mesa a possibilidade de os bancos passarem a comunicar à AT os levantamentos em dinheiro líquido superiores a 50 mil euros. O objetivo desta medida será antecipar o momento de detenção de eventuais esquemas de branqueamento e fraude fiscal, uma vez que atualmente os olhares incidem apenas sobre quem recebe o dinheiro no ato do depósito. Outra das medidas que deverá avançar até 2020 é a criação de um regime que permita que a comunicação entre as instituições bancárias e o Fisco seja feita em suporte digital através do portal da AT, isto sempre que haja um processo de quebra do segredo bancário. Os rendimentos de capitais passarão a ser tributados automaticamente no momento em que são pagos, tal como já acontece com o juro dos depósitos, ou englobados ao restante rendimento no acerto anual do IRS.
Então, mas e o que é feito do direito à reserva da intimidade da vida privada consagrado na Constituição?
Numa sociedade em que os pagamentos são feitos maioritariamente por multibanco ou cartões de crédito, um extrato bancário é sem sombra de dúvida um espelho de vida privada dos cidadãos. Contudo, não podemos esquecer que não existem direitos absolutos, exceto o direito à vida, pelo que o sigilo bancário no âmbito da vida em relação, tem de admitir limitações, tem de ceder perante outros interesses preponderantes em conflito e o interesse público no combate à fraude fiscal definitivamente é um deles.
No entanto, resta saber se o fim do sigilo bancário adotado em nome do combate à evasão e fraude fiscal é adequado e respeitador da proporcionalidade na afetação dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos contribuintes.