Ao longo dos últimos anos vimos muitas empresas a crescer bastante e a ter um sucesso duradouro, mas também se observaram empresas, como a Nokia ou a Kodak, que dominavam os seus mercados e que não se conseguiram adaptar às mudanças do mesmo.
Outra empresa que caiu neste erro foi a HMV, uma empresa Britânica de música que no fim da década de 90 estava no topo do mundo e detinha 40% da quota do mercado da Grã-Bretanha. O seu modelo de negócio consistia em operar em lojas nas ruas principais de diferentes cidades por todo o mundo, onde os seus clientes encontravam uma enorme variedade de produtos, conseguindo ouvir os CDs através de headsets, disponibilizados pelas lojas, antes da compra (uma novidade na época).
Em 2002 a HMV valia cerca de mil milhões de libras na London Stock Exchange. Nesta altura, apesar do sucesso, alguns funcionários e analistas começaram a expressar dúvidas em relação à longevidade e sustentabilidade do modelo de negócio da HMV.
Nesta altura já as cadeias de supermercados disponibilizavam os CDs mais vendidos a um preço mais baixo, a Amazon vendia CDs online desde 1998 e começaram a aparecer os downloads de músicas na Internet, culminando no lançamento da loja iTunes da Apple em 2003.
Mesmo assim, o diretor principal da HMV, manteve a mesma estratégia na empresa, abrindo mais lojas e comprando cadeias rivais na bancarrota. Em 2008 a empresa tinha uma rede global com mais de 600 lojas sendo o principal player na venda destes produtos em lojas especializadas.
Finalmente, em 2010, decidem abrir uma loja online de música, mas na altura já era tarde demais e 3 anos depois entraram em liquidação.
Esta história é um exemplo clássico de escalada de compromisso (manter-se demasiado tempo numa estratégia que tinha sido outrora de sucesso). Entrando nesta escalada, é muito difícil sair.
Porque é que isto acontece?
Uma investigação identificou várias tendências que explicam o porquê de vários decisores escalarem um maior compromisso, sendo estas:
- Falácia dos custos afundados. Quando se tomam decisões de investimento, as pessoas são influenciadas por custos que já tiveram. Se abandonarem o projeto esses custos não serão recuperados. A sua esperança é que se o projeto continuar, estes custos possam ser recuperados;
- Aversão à perda. Quando a alteração de uma linha de ação implica perdas certas e imediatas, os decisores normalmente preferem alocar mais recursos para poderem continuar na mesma linha, se virem alguma hipótese, por mais pequena que seja, de inverter a situação;
- Ilusão de controlo. Quando se acha que temos situação sobre controlo, mas na realidade não está como nós pensamos;
- Preferência pela conclusão. As pessoas normalmente têm uma tendência inerente para concluir tarefas, continuando com os programas de investimento previstos;
- Ignorância pluralista. Os divergentes normalmente acreditam que sozinhos têm reservas sobre um conjunto de ações e como consequência mantêm-se em silêncio. Os outros interpretam o silêncio deles como estarem a concordar com essas ações. Em casos extremos isto pode levar a todos concordarem com uma decisão em que ninguém acredita;
- Identificação pessoal. Uma investigação em psicologia e sociologia sugeriu que os estatutos sociais e identidade das pessoas estão ligados ao seu compromisso. Então, retirar-se de um compromisso pode resultar numa perda de estatutos ou uma ameaça à identidade de alguém. Por isto, os decisores não gostam de admitir que uma decisão era errada.
Estas tendências, todas ligadas, levam a que os decisores de uma empresa ignorem os sinais de que a sua estratégia já não está a funcionar.
Como resolver o problema?
A força destas tendências é muito forte, mas também existem processos e práticas que podem ser aplicados para contra-atacar estas tendências. Uma empresa que aplique as próximas 6 práticas reduz significativamente a probabilidade de cair nesta armadilha da escalada de compromisso.
- Defina regras de decisão. Uma maneira de estimular decisões mais objetivas é estabelecer regras para decisões. Um grupo que produzia séries de televisão criou uma regra de decisão para guiar investimentos em novas séries, que eram propostas por produtoras locais. Depois de uma série ter o seu protótipo, o grupo mostrava-a a outras produtoras que detinham. Se algumas delas licenciasse a série para o seu mercado, a série era automaticamente financiada. Se nenhuma quisesse licenciar, o projeto deixaria de existir. Ou seja, em vez de deixar as decisões para um grupo pequeno de gestores de topo, esta regra de decisão decaía sobre a sensatez coletiva de executivos do grupo com elevado conhecimento no terreno. Alargue a tomada de decisão a pessoas que estão mais próximas do mercado.
- Preste atenção às regras de votação. Criar regras de votação requer uma reflexão cuidada, pois pequenas diferenças subtis podem levar a resultados opostos. Na tabela em baixo consegue ver como para a mesma votação, dependendo da regra de contagem de votos, os resultados vão ser diferentes. Se optar por um procedimento conjuntivo, que consiste em contar os votas por membro de equipa, ganha o não. Por sua vez, se optar por um procedimento disjuntivo, ou seja, contar os votos por critério, ganha o sim. Se mudar regras muda o resultado da votação.
- Proteja os divergentes. As empresas que caem na escalada de compromisso, normalmente têm divergentes. O problema é que os divergentes são brutalmente reprimidos. Sabe-se também através de vários estudos em psicologia social, que as pessoas têm receio a falar quando pensam que estão sozinhas numa discordância. Para prevenir esta escalada, os líderes devem criar ambientes em que as pessoas possam falar, partilhar opiniões divergentes e desafiar o curso das ações da organização. As empresas podem criar este ambiente através de: promoção de canais de feedback anónimo, implementação de equipas maiores, calibração de diversidade e modelação de dúvidas, pois às vezes ao se levantarem dúvidas numa certa decisão leva a que se verifique a mesma e se encontrem alterações.
- Considere alternativas. Quando temos de tomar uma decisão, devemos fazer um enquadramento de questões estratégicas para assim podermos incluir a possibilidade de alternativas. Esta é uma maneira de podermos escapar à escalada de compromisso. Obviamente que para fazer isto é necessário terem-se alternativas. Paul Nutt, de Ohio State University, analisou 137 decisões chave em diversas empresas Norte Americanas e descobriu que quando apenas se analisava 1 caminho 52% das decisões não funcionavam. Mas, quando era considerada também uma alternativa, a taxa de insucesso reduzia-se para 32%.
- Separe defesa e decisão. Responsáveis que defendem e iniciam ações tendem a continuar a financiar essas ações mesmo que estejam a ter insucesso. Pelo contrário, responsáveis que assumem a liderança depois de um projeto começar podem tomar decisões diferentes. Deve-se então separar estas duas fases, a de defesa e lançamento e a de decisão de continuidade.
- Reforce o arrependimento antecipado. Uma boa maneira de prevenir a aposta numa estratégia que já não tem sucesso é levar os diretores a antecipar o arrependimento que possam ter por não terem escolhido um caminho diferente. Isto pode ser feito de duas maneiras:
- Ter em conta uma perspetiva temporal. Em vez de se perguntar de como será a sua empresa num determinado ano, crie cenários possíveis e pense como os poderia ultrapassar. Por exemplo, “Estamos a 25 de janeiro de 2025 e o inesperado aconteceu: a estratégia adotada falhou e não tem uma quota de mercado substancial respeitável. Pense porque é que isto aconteceu”.
- Ter em conta uma perspetiva interpessoal. Pode questionar o seu compromisso e considerar alternativas, atuando/imaginando-se a atuar em papéis diferentes na empresa, que não o de diretor. O CEO da Intel, estava a pensar em substituir a DRAM porque era “o produto que fez a Intel”. Mudou a sua opinião quando um cofundador lhe perguntou: “Se nós formos expulsos e o conselho trouxer um novo CEO, o que acha que ele irá fazer?”.
Agora que já sabe como é que pode evitar esta escalada de compromisso, vai fazer alguma mudança na sua empresa?
Este artigo foi baseado em:
Vermeulen, F. e Sivanathan, N. (2017). Stop Doubling Down on your Failing Strategy Harvard Business Review, November-December 2017, pp 111-117.