O que define uma empresa de sucesso? O lucro que ela gera? O valor do seu resultado (EBITDA) [1]? O valor que ela cria para o seu acionista (EVA) [2]?

Talvez este fosse o pensamento mais lógico, mas então porque é que algumas das maiores empresas que conhecemos passam anos a apresentar prejuízos e ainda assim os investidores apostam nelas?

A Uber é hoje uma empresa avaliada em cerca de 80 mil milhões de euros e ainda perde dinheiro. A aplicação de partilha de carros de luxo, lançada em 2009, tornou-se um negócio de transporte global com mais de 100 milhões de pessoas a usar a sua plataforma todos os meses. Esta empresa está prestes a encerrar uma década de prejuízos anuais onde os seus investidores aceitaram não ganhar milhões de euros. Mas como a Uber existem muitas outras: a Airbnb fundada em 2008 negoceia hoje ações a 140 euros cada e nunca teve lucro; o Pinterest, com mais de 450 milhões de usuários em todo o mundo, ainda não é uma empresa lucrativa.

Mais, porque é que os investidores reagem negativamente aos prejuízos apresentados nas demonstrações financeiras de uma empresa industrial, mas desconsideram as perdas de uma empresa digital?

A resposta às duas questões é simples! As demonstrações financeiras extraídas da contabilidade não funcionam para as empresas digitais. Os lucros contabilísticos são praticamente irrelevantes para estas empresas. O atual modelo contabilístico não consegue capturar o principal criador de valor: o retorno crescente dos investimentos em ativos intangíveis.

De acordo com Govindarajan et al[3], isto torna-se claro quando analisamos as duas demonstrações financeiras mais importantes nestes dois tipos de empresas: o Balanço e Demonstração de Resultados.

Nas empresas industriais o balanço apresenta uma imagem verdadeira e apropriada da situação patrimonial da empresa, porque grande parte do património é material e facilmente contabilizável. A demonstração de resultados fornece um valor aproximado das despesas e dos rendimentos necessários para criar valor para o acionista.

Nas empresas digitais estes documentos têm pouca importância:

  • as empresas digitais normalmente possuem ativos intangíveis e muitos têm ecossistemas que se estendem além dos limites das empresas (exemplo: os carros da Uber e as propriedades residenciais da Airbnb). Contudo, o balanço patrimonial inclui ativos que são propriedade da empresa e devem estar dentro dos seus limites;
  • a construção de uma empresa digital é feita com pesquisa e desenvolvimento, marcas, estratégia organizacional, relacionamento com os clientes, dados e software, capital humano. Apesar do objetivo não ser diferente da construção das fábricas e dos edifícios industriais, estes investimentos nem sempre podem ser contabilizados como ativos e muitos são considerados como despesas no cálculo do lucro. Assim, o que para muitos são despesas que diminuem o lucro das empresas, para outros são investimentos que geram valor;
  • ao contrário dos ativos tangíveis que se depreciam com o uso, os ativos intangíveis aumentam com o uso. Por exemplo: o valor do Facebook aumenta à medida que mais pessoas usam o seu produto, porque cada novo utilizador “enriquece” a plataforma, aumentando os benefícios para o utilizador existente. Logo, o crescimento do seu valor é impulsionado pela rede instalada e não por aumento de custos operacionais.

 

Também na atribuição de empréstimos bancários, o balanço patrimonial está a perder relevância. Os bancos contavam com o valor dos ativos para calcular as suas margens de segurança, mas uma vez que os ativos intangíveis são em regra mal contabilizados, criando distorções quanto ao seu real valor, estas entidades utilizam muita informação complementar na hora de aprovar financiamentos.

À medida que as empresas físicas se tornam cada vez mais digitais, as demonstrações de resultado também estão a tornar-se menos importantes para os investidores. Cada vez mais estudos mostram que a variação no retorno anual das ações das empresas não é explicada pelo lucro que ela gere.

Há muito que estes gigantes nos mostram que os modelos de negócio baseados em plataformas digitais sem bens físicos funcionam e são um sucesso, apesar de ainda não haver lugar na contabilidade para uma real valorização dos ativos intangíveis, para a contabilização do conceito “efeitos de rede” ou mesmo para o aumento do valor de um recurso com base no seu uso. Na verdade, os autores mostram-nos que a ideia fundamental por detrás do sucesso das empresas digitais (retorno crescente em escala sobre ativos intangíveis) contraria um dos princípios básicos da contabilidade (de que os ativos se depreciam com o uso).

Hoje, ainda não é muito provável que os padrões contabilísticos mudem num futuro próximo de forma a permitir que as empresas digitais possam capitalizar os seus investimentos intangíveis e que apresentem o seu valor através de uma fórmula diferente do lucro (rendimentos-gastos). Contudo, estes autores referem que mesmo que estas empresas conseguissem capitalizar os seus intangíveis iriam ter dificuldades em justificar os seus valores atuais de mercado. O facto das demonstrações financeiras não captarem o real valor dos seus ativos intangíveis demonstra que as empresas necessitam de mudar a forma como transmitem o seu valor aos stakeholders.

De acordo com a HBR existem certas pistas nos modelos de negócio das empresas que chamam à atenção em particular dos investidores, nomeadamente: aquisição de grandes clientes; introdução de novos produtos e serviços; tecnologia, marketing, alianças de distribuição, alianças estratégicas, receitas por número de assinantes, entre outras. E quando toda a informação extra-contabilística é combinada com a informação financeira, as medidas de desempenho financeiro tornam-se mais relevantes para o valor das empresas independentemente da área em que atuam.

Neste sentido, torna-se cada vez mais importante que as empresas divulguem todo e qualquer desenvolvimento significativo e relevante que possa contribuir para o aumento do seu valor junto do mercado, de forma quase que imediata, porque o sucesso das empresas digitais ou não, não está só nas demonstrações financeiras. Nunca esteve, mas cada vez mais o sucesso das empresas passa pela imagem verdadeira e apropriada que passam para o exterior. 

E a sua empresa consegue demonstrar o seu real valor?

LUCRO

 

[1] EBITDA é a sigla de “Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization”. Trata-se de um indicador económico que traduz ganho obtido/valor libertado pelo negócio, em termos operacionais.

[2] EVA é a sigla de “Economic Value Added”. Trata-se de um indicador económico que traduz o valor que a empresa agrega após remunerar todos os recursos investidos, quer sejam financiados pelo custo de capital de terceiros ou pelo custo do capital próprio.

[3] Govindarajan, V., Rajgopal, S., Srivastava, A. Harvard Business Review, fevereiro 2018