Todos devemos construir o futuro enquanto gerimos o presente. Mas nunca como agora vivemos num ambiente tão incerto e volátil, vivemos num mundo VUCA. À dificuldade em encontrar tempo para parar e pensar a empresa, junta-se a reforçada dificuldade em compreender o que nos trará o futuro. É certo que não podemos prever o futuro, mas podemos construir futuros possíveis, ou seja, cenários, e preparamo-nos para cada um deles.
Os cenários não são previsões que assentam no conhecimento do passado (forecasting). Os cenários são narrativas que descrevem o conjunto de acontecimentos que conduzem a hipóteses de futuros alternativos plausíveis, tendo por base fatores de grande incerteza (foresight).
Segundo Michael Godet, um cenário é o “Conjunto formado pela descrição (de forma coerente, plausível e consistente) de uma situação futura (cena) e do encaminhamento (trajetória) dos acontecimentos (eventos) que permitem passar da situação de origem (atual) para outra futura”.
O planeamento de cenários teve a sua origem ainda nos anos 50, no início da guerra fria para que militares e líderes pudessem “pensar sobre o impensável” na perspetiva de uma guerra nuclear. A narrativa com os seus detalhes descritivos acrescentados aos dados resultantes do trabalho de investigação efetuado ajudavam os responsáveis por criar uma estratégia militar a compreender quais os resultados plausíveis se fossem tomadas diferentes ações.
A Shell foi pioneira no planeamento de cenários a nível empresarial e por isso estava bem preparada para a crise do petróleo do início dos anos 70 que apanhou todos de surpresa. Desde os anos 60 que uma equipa de economistas, engenheiros e cientistas, liderados por Pierre Wack, trabalhavam no desenvolvimento de cenários, preparando assim a gestão da Shell para aquilo que na altura era impensável. Este trunfo permitiu-lhe passar de uma das empresas menos lucrativas desta indústria para a mais lucrativa (40 Years of Shell Scenarios).
“Planear não consiste em tentar adivinhar o futuro, mas em preparar a empresa para um futuro incerto”
Mintzberg
No planeamento de cenários os fatores de incerteza tomam lugar de destaque e, em geral, não nos sentimos confortáveis com a incerteza. É importante estar atento aos sinais e desenvolver o pensamento crítico para compreender, em cada decisão, todas as dependências que devemos considerar que possam vir a ter impacto no futuro.
Na construção de cenários é importante ter em conta as tendências e as megatendências (os imparáveis que terão impacto estrutural) e também sinais fracos que despontam em nichos/franjas da sociedade e que mais tarde poderão gerar tendências, as incertezas e os wild cards (acontecimentos que causam disrupção). É o scanning do ambiente estratégico, onde olhamos de “fora para dentro” e numa perspetiva de 360º. Mas primeiro é importante definir o foco e o horizonte temporal pretendido para os cenários para orientar todo o processo.
“O futuro resultará da interação entre Tendências Pesadas que vêm do passado e que moldarão o futuro, Sinais Fracos ou questões que se encontram numa fase embrionária e que ganharão amplitude de forma súbita ou gradual, Wild Cards que nos poderão surpreender de forma negativa ou positiva, e Incertezas Estruturais que nos poderão conduzir não para um mas para vários futuros possíveis.”
António Alvarenga
Para definirmos os cenários podemos cruzar 2 incertezas cruciais e independentes entre si, sendo cada cenário definido em função do “valor” extremo que cada uma destas incertezas poderá tomar, tendo em conta o horizonte temporal definido.
Por exemplo, a Galp construiu quatro cenários contrastantes, tendo em conta diferentes níveis de disrupção tecnológica e de política regulatória, sendo estas as incertezas que consideram críticas para o sector energético (Figura 2). Depois calcularam o mix da procura de energia primária total em 2040 por cenário (Figura 3) e esta foi a base para a definição da estratégia da Galp para os próximos 20 anos.
Outro exemplo são os 4 cenários globais para o futuro do trabalho em 2030 que Olivier Woeffray (World Economic Forum) e Paulo Soeiro Carvalho (ISEG) apresentaram na conferência “Future of Work”, que decorreu em Lisboa em novembro (figura 4). Estes são cenários transversais que podem proporcionar enquadramento a qualquer atividade.
O Business Council for Sustainable Development (BCSD) Portugal, através do projeto Meet 2030, criou 2 cenários para Portugal em 2030, no contexto de uma quarta revolução industrial tendo em conta os compromissos nacional, europeu e global para alcançar a neutralidade carbónica e os desafios dos vários setores económicos (Figura 5). Estes cenários proporcionam possíveis enquadramentos para a análise externa de empresas de diferentes setores.
Os cenários permitem-nos preparar e aceitar a mudança pois ao debatermos as incertezas que geram diferentes futuros possíveis aprendemos a aceitar cada uma destas situações e a posteriormente antever as ações que podemos tomar para ter sucesso em cada um deles. Tal como aconteceu com a Shell, caso uma destas situações extremas ocorra, já não é uma novidade, já estamos preparados.
O que dizem estes cenários é diferente para cada um de nós. Os cenários permitem-nos ter um enquadramento para contextualizar a análise externa e assim podemos testar a estratégia da empresa em cada um deles. A estratégia é robusta se nos permitir sobreviver ou prosperar em qualquer um dos possíveis cenários extremos encontrados. De acordo com Goodwin (2019), a estratégia para ser robusta deverá envolver diversidade, tendo por exemplo um conjunto de produtos/serviços que possam ser lucrativos em diferentes condições de mercado; flexibilidade, mantendo, por exemplo, condições de saída de um negócio facilitada; e/ou redundância, para ter recursos extra se necessário.
Mas ter uma estratégia numa organização que abranja os diferentes cenários normalmente não é viável, pelo que a estratégia deverá ser desenvolvida tendo por base um dos cenários e monitorizam-se os restantes cenários para poder atuar com rapidez.
2020 acabou de chegar. Está na hora de pensar 2030, ou mesmo 2050, e definir a estratégia que o conduzirá ao sucesso no futuro.
GODET, Michel. 1993. “Manual de prospectiva estratégica: da antecipação à acção”. Lisboa: Dom Quixote.
GOODWIN, Paul. 2019. “Scenarios and Forecasts: Complementary Ways of Anticipating the Future?,” Foresight: The International Journal of Applied Forecasting, International Institute of Forecasters, issue 52, pages 7-10, Winter.