“Procuram-se homens para viagem perigosa. Salários baixos, frio de rachar, longos meses de escuridão, perigo constante, regresso incerto. Honra e reconhecimento em caso de sucesso” – anúncio de Ernest Shackleton, para angariar companheiros para a sua expedição à Antártida
Sempre me fascinou o efeito placebo. Para quem não conhece, o efeito placebo é o que acontece quando uma terapia inócua produz resultados numa pessoa doente. Casos estudados englobam comprimidos sem qualquer propriedade terapêutica, simulação de cirurgias, curandeiros, etc.. Alguns estudos recentes comprovaram cientificamente vários desses casos, “culpando” a mente humana que, em resultado da expectativa criada e crença na terapia, consegue gerar alguns químicos e acaba por efectivamente curar patologias, ultrapassar dor, etc. Na área da gestão há também diversas situações em que as expectativas e as crenças acabam por ter impactos decisivos. Uma dessas situações é o recrutamento.
Normalmente, quem recruta quer atrair bastantes candidatos, e de elevado valor. Uma das formas de o fazer é “dourando a pílula” sobre o que a organização tem para oferecer. Isso pode começar no texto do anúncio, que apresenta apenas os aspectos mais positivos do cargo, classifica a empresa de “líder na sua indústria, promete um “pacote remuneratório “interessante e competitivo”, etc. E muitas vezes continua durante o processo de selecção, em que se fazem diversas promessas aos candidatos, de aumentos salariais constantes e elevados, promoções, formação, trabalho interessante e desafiante, etc.. O resultado desta forma de gerir o processo é que a organização conseguirá atrair muitos e bons candidatos e conseguirá obter uma quase totalidade de respostas positivas às propostas contratuais.
O problema surge mais tarde, quando as promessas e as expectativas criadas acabam por não se confirmar. Quando o trabalho é monótono e aborrecido em vez de interessante e desafiante, quando os aumentos não chegam ou chegam mais devagar e menos avultados do que o previsto, quando as promoções e a formação vão sendo adiadas, etc.. Nessa altura gera-se frustração e insatisfação, a motivação e o desempenho caem, e surge a rotatividade. E o processo reinicia-se, criando-se novas ilusões em novos candidatos, até essas ilusões se transformarem em desilusões e chegar a altura de procurar novas pessoas para iludir.
Para evitar estas situações, as organizações devem, no processo de recrutamento e selecção, gerar expectativas realistas nos candidatos. Estas expectativas realistas são particularmente importantes em situações em que haverá maior probabilidade de criação de expectativas incorrectas. É o caso de cargos que pressuponham condições extremas e apresentem exigências elevadas, ou os casos em que os candidatos são pouco experientes e podem não ter noção do que os espera. Essa geração de expectativas pode ser feita através de visitas aos locais de trabalho (ou filmes caso o local concreto seja distante ou pouco acessível – uma plataforma petrolífera no meio do oceano, por exemplo), entrevistas com diversos membros da organização (para apresentarem perspectivas diversificadas sobre o cargo), e realização de provas de selecção o mais aproximadas possível do trabalho que o candidato irá encontrar.
É certo que esta forma de gerar expectativas vai fazer com que surjam menos candidatos. Mas os candidatos que surgirem estarão realmente interessados na proposta da organização, o que promoverá melhores resultados em termos de retenção e desempenho dos mesmos. E é isso o mais importante, pois a organização não pode estar constantemente a recrutar novas pessoas para substituir as que saem desiludidas, assim incorrendo em mais custos e em performance inferior dos contratados.
Foi isso que aconteceu com o explorador Ernest Shackleton. Apesar dos termos pouco apelativos do anúncio, houve grande adesão e ele teve bastantes candidatos, perfeitamente avisados para o que os esperava. Tivesse Shackleton criado expectativas irrealistas nos participantes na expedição e, possivelmente, às primeiras dificuldades estes ter-se-iam amotinado e abortado a expedição.